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Os caminhos da ciência (parte 2)

OS CAMINHOS DA CIÊNCIA II

Margarete Hülsendeger

Não há coisa alguma tão assombrosa que não permita que nos acostumemos a ela.

Ian McEwan

A data: 14 de dezembro de 1900. Nesse dia, o físico alemão Max Planck (1858-1947) anunciou o “nascimento” do quantum (do latim “uma porção de algo”). Segundo Planck, a absorção e emissão de energia pela matéria se faria por meio de quantidades bem definidas de energia, ou, como se popularizou, por “pacotes de energia”. Se para o homem comum essa ideia parecia no mínimo estranha, no mundo científico ela provocou uma verdadeira revolução, dando origem a uma nova área do conhecimento chamada Mecânica Quântica.

O modelo que, a partir desse momento, passaria a ser discutido, criticado e, até mesmo, repudiado por muitos físicos contrariava quase tudo o que, até então, era defendido pela ciência. O modelo quântico, como ficou conhecido, era embasado na incerteza e na probabilidade e não mais em verdades absolutas. Como resultado, o choque ocasionado pelas novas teorias e consequentes descobertas desestabilizou de tal forma as mentes estruturadas dos cientistas, que eles começaram, inclusive, a questionar o significado do que era real e do que não era, pois os objetos, apesar de serem os mesmos, haviam mudado em muitos de seus detalhes.

Encontros entre cientistas foram promovidos para que esses novos conceitos pudessem ser discutidos; contudo, muitos deles terminaram sem atingir um consenso. Diante disso, pode-se questionar: que conceitos foram esses a provocar tanta desestabilização?

Os fenômenos estudados na Mecânica Quântica dizem respeito a um universo invisível para nós: o atômico. Nesse universo tudo se comporta de maneira diferente ao que se espera, contrariando muitos dos postulados da Física Clássica, de tal modo que para explicá-lo foi preciso pensar em novas leis ou princípios. Um dos mais famosos é o Princípio da Incerteza ou Princípio de Heisenberg. Nele, o físico alemão Werner Karl Heisenberg (1901-1976) estabelece a impossibilidade de medir a velocidade de uma partícula e, simultaneamente, determinar a sua posição, sem que a partícula seja influenciada pelos instrumentos de medida. Ou seja, posição e velocidade deixaram de ser grandezas físicas absolutas, pois agora dependiam da forma como são observadas.

Muitos cientistas de renome, entre eles Albert Einstein (1879-1955) e Max Planck, se insurgiram contra essas ideias. Einstein, em carta a outro físico, Max Born (1882-1970), comentando o caráter probabilístico da Mecânica Quântica, chegou a afirmar que, se isso fosse verdade, preferia ser um sapateiro remendão ou empregado em uma casa de jogos em vez de ser físico. Para ele, esses conceitos nada tinham a ver com a Física, parecendo mais magia do que ciência. Einstein, assim como muitos físicos, acreditava que os fenômenos tinham uma causa que, se identificada e analisada corretamente, poderia prever com relativa exatidão seus efeitos e consequências, estabelecendo-se leis que regulariam outros fenômenos de mesma natureza.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

E assim, como costuma acontecer quando um paradigma está prestes a ser rompido, um novo campo de batalha estava armado. De um lado, aqueles que continuavam acreditando em um modelo mecanicista, linear e determinista; de outro, os que passaram a defender uma forma de ver o mundo mais abrangente, menos absoluta e linear. No entanto, após um período de adaptação no qual muitos experimentos foram realizados demonstrando a validade do novo modelo, até mesmo as mentes mais conservadoras e obstinadas acabaram se rendendo.

O que não se previa era a forma como o modelo quântico iria influenciar o pensamento científico. Desde que se passou a aceitar o conceito de probabilidade no lugar de certeza, abandonou-se a ideia da existência de uma “verdade absoluta”. A partir desse momento somente poderia ser considerado científico o que fosse discutível. Além disso, lentamente começou-se a deixar para trás a concepção do homem-máquina ou do homem como sendo apenas a simples soma de suas partes. O ser humano passava a ser visto como um ser único e de grande complexidade, não podendo mais ser tratado como um mecanismo no qual basta substituir peças com defeito por outras novas para que ele possa funcionar melhor. A falta de certezas trouxe uma nova perspectiva para o universo científico e a Mecânica Quântica, mesmo sendo uma área restrita aos estudos dos fenômenos atômicos, abriu espaço para que os alicerces sobre os quais a ciência foi construída fossem discutidos e questionados.

Hoje, o cientista é mais humilde na forma como trata seu objeto de estudo, pois sabe que nada é definitivo e tudo pode ser discutido. Essa nova postura valoriza o espírito crítico e protege o homem contra o fanatismo e a dogmatização. Assim, ao contrário do que aconteceu no final século XIX, atualmente o homem de ciência compreende e aceita que ainda existe muito a ser descoberto e que nada pode ser, simplesmente, descartado só porque ainda não foi observado ou medido em algum laboratório. Desse modo, muitos são os mistérios que ainda precisam ser revelados, pois é na emoção da descoberta onde sempre iremos encontrar a verdadeira da arte da ciência.

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