Crônicas nair lucia de britto

MEU PAI SÓ QUERIA VER LUIZ GONZAGA

Nair Lúcia de Britto

Luiz Gonzaga

Hoje, 24 de novembro, é dia do aniversário do meu pai. E, como de outras vezes, eu lhe faço uma homenagem relembrando uma das histórias da minha infância junto dele. Nessa ocasião ele estava muito contente porque depois de muitas dificuldades tinha conseguido sua transferência, como funcionário público do Estado, da cidade de Joanópolis para cidade de Santos.

Foi quando então deixamos, eu e mamãe, a casa dos meus avós, onde passei dias felizes e inesquecíveis, quando criança. Fomos eu e meus pais morar no Jardim Aralinda, em São Vicente. O local era como um condomínio fechado, onde graciosas casas térreas circundavam um jardim cheio de árvores e abaixo delas uma calçada redonda, construída com paralelepípedos. Aquele lugarejo reservado aos moradores não poderia ser mais aprazível. Eu, que não tinha companhia para brincar, passei a ter muitos amiguinhos. Mais meninas do que meninos. Era só brincadeira todos os dias: de roda, pega-pega, pula-corda, lenço-atrás e outras, quando a gente cantava: ”Você gosta de mim? Eu também de você… Vou pedir pro seu pai, pra casar com você…” Ou então: “Nesta rua, nesta rua tem um bosque/Que se chama, que se chama Solidão/ Dentro dele, dentro dele mora um Anjo/Que roubou, que roubou meu coração…”

Ainda não tinham inventado a televisão, então era só mesmo brincadeira e correria até não poder mais! Cinema sim, em branco e preto… às vezes, papai nos levava. E Circo também era   algo que não faltava. Naquela noite, papai chegou todo alegre, em casa, com uma novidade:

— Hoje nós vamos ao Circo Guaraciaba. Sabem quem vai cantar lá? Luiz Gonzaga!

Eu fiquei toda contente também porque no Circo tinha uns macaquinhos muito engraçados, assim como outros animais. Os palhaços, muito divertidos, faziam a gente dar risada… Mas o que eu gostava bastante era da peça teatral que acontecia no final do espetáculo… eu prestava uma atenção danada nos atores e não perdia uma fala…

E lá fomos nós para o Circo, meu pai pensando no Luiz Gonzaga e eu pensando no teatro. Mamãe gostava de tudo, não tinha preferências. O espetáculo começou com os palhaços no picadeiro, depois os elefantes, os tigres e tudo mais. De repente, se fez silêncio e alguns funcionários do Circo começaram a armar uma quadra de corda no meio do picadeiro. Não entendi o motivo, até que dois boxeadores se apresentaram entrando dentro da quadra. Eu continuava sem entender qual era a graça daquilo. Foi quando a luta começou. Um deles mais forçudo deu um soco no outro mais magrelo.

O coitado caiu no chão só com um soco, desmaiado. Eu, no mesmo instante, e bastante assustada com aquela agressão inesperada, saí correndo em disparada, pela porta da frente do circo, e meus pais correndo atrás…

Felizmente me acharam logo, escondida entre as rodas de um caminhão enorme, um tanto distante dali. Fomos embora pra casa, com meu pai aborrecido e frustrado por não ter dado tempo de ver Luiz Gonzaga. E eu por não ter visto a peça de teatro.

Este foi meu primeiro protesto contra a violência, quando eu só tinha cinco anos de idade.

Nair Lucia de Britto – Folha

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