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MEMÓRIA: PROBLEMAS E SOLUÇÕES NEUROPSICOLÓGICAS

*João Gomes Moreira[1]

RESUMO –  Neste artigo pretendemos contribuir com o estudo e desenvolvimento de neuropsicologia;  procurando  1- tornar claro as interações entre memória, envelhecimento e preservação; 2 – explicitar o processo referente ao funcionamento da memória e pesquisas em neurociências. Tendo como objetivos: analisar o estudo da memória e sua preservação no princípio do século XXI; e objetivos específicos: examinar os antecedentes históricos sobre a concepção da memória no âmbito da neuropsicologia; verificar como hoje se desenvolve os estudos e pesquisas na cadeia de experiências e tentativas de conservação e restauração.

PALAVRAS-CHAVE: Memória. Envelhecimento, Tratamento, Neuropsicologia.

1 INTRODUÇÃO

        No último quartel do Século XX as transformações que a ciência, tecnologia e mercado de trabalho trouxeram para o cotidiano do homem tem gerado alterações e impactos diretos sobre sua saúde e sua vida.   

        Este estudo, objetiva fornecer um breve cotejo histórico das principais bases teóricas referentes a memória e a contribuição da neuropsicologia no entendimento e tratamento no processo de envelhecimento e recuperação de eventual distúrbio ou doença neurológica. A linha temporal referente ao  processo histórico das pesquisas em neurociências foram consideradas e observadas a partir da obra: O livro do Cérebro de Alberto P.Q de Moraes (2009). Por limitação de espaço e prescrição metodológica/normativa  não inserimos aqui.

2 MEMÓRIA, CODIFICAÇÃO, ARMAZENAMENTO E RECUPERAÇÃO

        A existência humana sem memória em muito se assemelharia a vida de seres inferiores (animais) pois não haveria a possibilidade de saborear recordações e momentos alegres (prejuízo da vida afetiva); nem sentimentos de angústia ou culpa (comprometendo a sobrevivência e o desenvolvimento o senso moral  e ético). A falta da memória teria como consequência vermos cada pessoa, a cada dia como um estranho, cada língua, estrangeira; cada tarefa, um desafio grande (tais como: vestir-se, cozinhar, lavar-se, etc.). A vida em sociedade seria praticamente impossível.   

         Nossa  memória funciona como um depósito, um almoxarifado da mente. Um espaço de armazenamento das coisas aprendidas e de experiências vividas. “Para a psicologia, memória é qualquer indicação de que a aprendizagem persistiu ao longo do tempo. É nossa capacidade de arquivar e recuperar informações” (Myers, 190, 1999).

         A memória humana, sob alguns aspectos, assemelha-se com um sistema de processamento de informações de um computador. “Lembrar, qualquer evento exige a entrada da informação no cérebro (codificação). A conservação dessa informação (arquivamento) e mais tarde a saída (recuperação)”, (cf. Myers, 191, 1999). Define-se como memórias de longo prazo, de curto prazo e memória flash. Num modelo simplificado a memória sensorial registra as informações que entram, permitindo que o cérebro capte por um momento fugaz uma imagem. As partes desse input sensorial que a pessoa observa mais atentamente são codificadas e exibidas “na tela” de sua memória de curto prazo. De lá, podem ser codificadas (numa linguagem neuronal) para arquivamento de longo prazo, sendo mais tarde recuperadas, permitindo que o indivíduo, depois de uma hora, projete uma imagem tosca da primeira imagem.   

         Algumas codificações ocorrem de modo automático. Enorme quantidade de informações são armazenadas ao longo do dia. Realizações rotineiras do cotidiano em geral são processadas e  armazenadas de forma automática, sem interferência do pensamento e até de maneira imperceptível (não consciente). Em contraparte também existe a codificação e processamento  por esforço. Para tanto é necessário estimulara memória através de ensaio e repetição consciente. Tal experiência foi demonstrada por Hermann Ebbinghaus (1850-1909). Um princípio simples foi deduzido do experimento: a quantidade lembrada depende do tempo consumido para aprender. Outra descoberta foi o chamado efeito espaçamento segundo observado por ((Bahrick e Hall (1991) apud Myers, 1999). Na atividade de processamento de informação com esforço foi observado também que nosso sistema de memória processa a informação não apenas pelo ensaio repetitivo, mas também pela codificação de seus aspectos significativos (cf. Craik & Watkins, 1973; Greene, 1987 apud Myers, 1999). 

         A codificação é processada de três maneiras: codificando seu significado, visualizando-a e organizando-a mentalmente. Até certo ponto, fazemos essas coisas de modo automático. Mas, em cada caso, há estratégias de esforço para intensificar a memória.  A codificação semântica foi objeto de estudo de Fergus Craik e Endel Tukving (1975) que constatou que a codificação profunda (semântica) proporcionou melhor memória do que o processamento superficial. Isto sugere os benefícios de reformular o que lemos e ouvimos em termos significativos. A aprendizagem de material significativo exigia apenas um décimo do esforço (Ebbinghaus apud Myers, 1999). As recordações de coisas associadas conosco causam excelente qualidade na memória, no arquivo de armazenamento. Se perguntarmos a alguém quão adequadamente certos adjetivos descrevem uma pessoa, ele  sempre os esquecerá; se solicitarmos para considerar quão adequadamente os adjetivos descrevem ele próprio, lembrará muito bem das palavras. A este fenômeno denominamos efeito de auto-referência ((Symons & Johnson, 1997)apud Myers, 1999).  A codificação de imagens foi objeto de estudo de pesquisadores que concluíram que existem diversos benefícios no uso de imagens mentais, é possível se recordar mais facilmente de uma palavra abstrata quando associada a imagens (método mnemônico). As imagens estão no fundamento da atividade mnemônica. Os antigos oradores e políticos gregos já faziam uso do método.  

        O significado e a projeção de uma imagem melhoram a memória em parte porque nos ajudam a organizar as informações.  Naturalmente agrupamos as informações em unidades ou grupo afim de que sejam recuperadas de maneira mais rápida e fácil. Agrupar também ajuda a recordação de material desconhecido. Por exemplo, mediante o uso de técnica mnêmica em que se organiza de modo familiar pela criação de acrônimos ou frases com as primeiras letras das palavras a serem lembradas. Outro recurso utilizado no processamento de codificação de informação é a aplicação, organização ode grupos hierárquicos. Segundo Gordon Bower ((1969) apud Myers (1999)) quando as palavras tinham uma organização hierárquica, a recordação era duas ou três vezes melhor.

        Armazenamento: conservando a informação

        No cerne da memória está o armazenamento. Nossa memória sensorial, memória de curto prazo e memória de longo prazo retêm as informações por períodos variáveis.  Um experimento preparado por Sperling ((1960) apud Myers, 1999) revelou que temos uma memória fotográfica fugaz, chamada memória icônica (ou visual). Também temos uma memórica impecável, embora efêmera, para imagens sensoriais auditivas, chamada memória ecóica. 

        O armazenamento da memória de curto prazo é limitado não apenas na duração, mas também na capacidade. Só podemos processar conscientemente uma quantidade bastante limitada de informações.  O armazenamento da Memória de Longo Prazo – a nossa capacidade de armazenar informações de longo prazo é essencialmente ilimitada.  

        Recuperação: a saída da informação

        A maneira em que a informação é codificada (input) e também o modo em que é armazenada (retida) influência a sua saída (output). A recuperação/saída é ajudada por indicações associadas ao evento/informação especialmente em conformidade com o contexto de sua codificação. Os chamados indicadores de recuperação funcionam como guias que sinalizam para “onde procurar”. Para recuperar uma memória específica, você precisa primeiro identificar um dos fios que levam a até lá, um processo chamado preparação (priming). O local ou contexto (em que ocorreu o evento)  favorece a experiência chamada de efeito de contexto. Este,  permite vir a lembrança de maneira muito mais rápida. Inclusive a sensação do  déjà vu (aquela estranha sensação de que “já estive nesta situação antes”).  Eventos do passado podem ter despertados uma emoção específica, que  mais tarde pode nos preparar para recordar os eventos associados. As coisas que aprendemos em um estado (alegre, triste, sóbrio, embriagado) são, às vezes, mais facilmente lembradas quando nos encontramos outra vez no mesmo estado. Este é um fenômeno sutil chamado memória dependente do estado. Merece consideração também a ocorrência de que nossa memória é distorcida por nossos ânimos. As emoções também são indicadores de recuperação. Os ânimos também influenciam o modo como interpretamos o comportamento de outras pessoas. Deve-se observar que o ânimo afeta a maneira como nos mantemos atentos a novas informações. O efeito do ânimo na codificação e recuperação ajuda a explicar por que os ânimos persistem.

        O esquecimento como falha de recuperação

        A ocorrência de esquecimento deriva de uma falha em codificar a informação ou quando as memórias arquivadas esmaecem. Tais eventos são como livros que uma pessoa não consegue encontrar em sua biblioteca.  — alguns porque nunca os adquiriu outros porque foram descartados… porém ainda há outra possibilidade: pode ser que o livro esteja guardado, mas não acessível.  Por exemplo: a interferência proativa ocorre quando alguma coisa que você aprendeu antes prejudica a recordação de uma coisa que experimentou depois. Sua cabeça pode ficar atravancada de informações.  Outra interferência que causa o esquecimento é a retroativa; que ocorre quando novas informações tornam mais difícil recordar alguma coisa que você aprendeu antes.

        Além das interferências na codificação, no processo de aquisição e armazenamento da informação pode, eventualmente, acontecer o esquecimento motivado. Os estudos de Ross e outros (cf. apud Myers, 208, 1999) apontam que as pessoas sem saber revisam suas histórias. Lembrar nosso passado é muitas vezes revisá-lo. Ao recordar eventos do passado de uma maneira desejada, protegemos e realçamos a auto-imagem.

        Construção da Memória

        A recuperação da memória é em parte construção da memória.  Isso algumas vezes envolve “amnésia de fonte”.  As memórias não são arquivadas como cópias exatas, muito  menos recuperadas como tais. Em vez disso, construímos nossas memórias usando informações armazenadas e novas. As pessoas também têm amnésia da origem da informação, atribuindo alguma coisa ouvida, lida ou imaginada a uma origem errada. Como as memórias falsas parecem memórias verdadeiras e também são duráveis, sinceridade não significa realidade.

 3     NEUROCIÊNCIAS, MEMÓRIA E PESQUISAS

        As pesquisas que ocorreram, especialmente ao longo do século XX permitiu que a neurociência ganhasse ainda mais relevância, já que tem potencial para explicar, além de reações do corpo, os fenômenos da mente. Segundo o pesquisador Sidarta Ribeiro, em seu artigo “Tempo de cérebro”:

“No encontro entre matemática, física, química, biologia entre matemática, física, química, biologia, psicologias, filosofia e artes, as neurociências fascinam o público pela possibilidade de compreensão dos mecanismos das emoções, pensamentos e ações, doenças e loucuras, aprendizado e esquecimento, sonhos e imaginação, fenômenos que nos definem e constituem.” (FIA, 2020).

        A relação da mente e o cérebro é evidente em todos os debates sobre a mente, e mais recentemente no discurso neurocientífico. A neurociência cognitiva está envolvida ativamente na investigação de como os seres humanos, organismos ativos e pensantes, usam seus cérebros para atingir suas metas e satisfazer as suas necessidades no contexto de entornos complexos e mutáveis. Esta investigação mostra conexões inextricáveis entre a, que se considera baseada na mente, e oentorno e entre a cognição e a ação, que considera que tem uma base física (cf. MAKEIG, et al., (2009). A investigação recente baseada na ressonância magnética funcional (cf. KANWISHER, 2010) mostra que os aspectos específicos da cognição sensorial e motora básica, assim como processos mais complexos de reconhecimento facial e de palavras, ou como o pensamento, todos eles considerados como baseados na mente, estão apoiados pelas zonascerebrais com alto grau de especialização nos nossos processos, o que sugere que a interação mente-cérebro ocorre através de mecanismo cerebrais altamente especializados. A memória de longo prazo, por exemplo, a capacidade de lembrar o que aconteceu com você e quando o fez, é uma habilidade importante da mente humana. Foi investigada, buscando através da neuroimagem em regiões específicas da memória episódica cerebral do lobo frontal (diferentes dos relacionados com a memória semântica), descobrindo que ligam ainda mais o cérebro e a mente. (TULVING, 2002).

4 MEMÓRIA, ENVELHECIMENTO, PROBLEMAS E TRATAMENTO

        Esquecimento. O que causa o esquecimento? As áreas do cérebro quando adultos jovens estão codificando informações reagem menos entre os mais velhos. Essa deterioração da codificação ajuda a explicar o declínio da memória relacionado com a idade ((Grady & outros, 1995) apud Myers, (1999)).

        O envelhecimento causa o declínio da memória. O trabalho de Medeiros, et al., (2016) apud (Reabilitação Neuropsicológica, 2020) destaca que o envelhecimento é a degradação vagarosa do organismo, provocando debilitação, fragilidade, vulnerabilidade, contribuindo com o surgimento de diversas enfermidades por modificações fisiológicas e ambientais.  

        Na fase envelhecimento ocorre, em alguns casos, a demência. Este processo é uma situação na qual ocorre decréscimo cognitivo comparado a um nível prévio do indivíduo, com comprometimento de suas funções sociais e funcionais. O  Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) declara que o comprometimento de memória é exigido necessariamente na apresentação, ademais deverá haver declínio em relação ao padrão prévio cognitivo  (cf. Parmera, et al., 2015) apud  (Reabilitação Neuropsicológica, 2020).

        A reabilitação neuropsicológica pode  ser conceituada como um processo ativo de educação e capacitação, focado no manejo apropriado de alterações cognitivas adquiridas. Ela busca alcançar a máxima adaptação do funcionamento cognitivo, comunicativo e comportamental de pacientes com alterações funcionais consecutivas a um dano neurológico (cf. GINDR. G; et al.,(2009) apud (Reabilitação Neurológica, 2020).  Existem várias formas de estimulação do funcionamento da memória. Por exemplo, na aprendizagem de uma sequência de palavras: método de categorização semântica ou método de categorização fonética.  Duas formas de reabilitação neurológica da memória que se destacam, a recuperação espontânea e as estratégias de reabilitação cognitivas através de técnicas de substituição ou de compensação das funções comprometidas. Em suma, existem alguns métodos e técnicas que podem ajudar no processo de reabilitação neurológica da memória em indivíduos que sofreram anoxia, e que podem ser também utilizadas em qualquer tipo de lesão cerebral, adequando-se sempre a técnica ao sujeito, conforme (Ferros, et. Al.,  2020) apud  Desenvolvimento Neuropsicológico: envelhecimento, demências senis e estimulação, 2020). 

5 CONCLUSÃO

        As pesquisas e interações sobre memória envelhecimento e preservação foram analisadas.  Explicitou-se o processo de aquisição, armazenamento e recuperação de memória. Destacou-se  o estudo de neuropsicologia na sua aplicação de preservação  e recuperação de memória em pessoas sob o processo de envelhecimento ou com doença neurodegenerativa. Sugere-se a realização de outros estudos e pesquisas afim de que possa ser propiciado a população o incremento de políticas públicas e ações educativas que venham a melhorar o desenvolvimento humano e a mitigação de dificuldades e distúrbios mentais ocasionados pelo envelhecimento e doenças neurodegenerativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FIA. Neurociência: o que é, campos de estudo e tendências. Disponível em: https://fia.com.br/blog/neurociencia/    Acesso em: 5 ago. 2020.

KANWISHER, N. Especificidade funcional no cérebro humano: Uma janela para a arquitetura funcional da mente. PNAS, 22 de junho de 2010 (vol. 107, núm. 25, 11163 até 1117).

MAKEIG, et al. A vinculação do cérebro, da mente e do comportamento. Revista Internacional de Psicofisiologia, Volume 73, Número 2, agosto de 2009, páginas 95-100.

MORAES, Alberto P. Q. de. O Livro do cérebro. São Paulo: Duetto, 2009.

MYERS, D. Introdução à Psicologia Geral. Rio: LTC, 1999.

————————. Reabilitação Neuropsicológica. Venda Nova: FAVENI,2020.

————————. Desenvolvimento Neuropsicológico: envelhecimento, demências senis e estimulação.  Venda Nova: FAVENI, 2020.

TULVING, E. A memória episódica: Da mente ao cérebro. AnnuRev. Psicologia. 2002. 53:1-25.


[1] Especialista em Neuropsicologia Clínica, Psicanalista Clínico e Pesquisador.

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