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DEZ ANOS DA LEI COMPLEMENTAR nº 578/2010 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA DE RONDÔNIA

DEZ ANOS DA LEI COMPLEMENTAR nº 578/2010 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA DE RONDÔNIA.

*Josélia Gomes Neves

**Vanubia Sampaio dos Santos

Resumo – A Lei Complementar (LC) nº 578/2010 constituiu um importante marco para a carreira dos (as) profissionais da Educação Escolar Indígena de Rondônia. Em função disso, o objetivo deste escrito é relatar uma experiência desenvolvida na disciplina Legislação Escolar desenvolvida no 2º semestre de 2021 em perspectiva remota. Na ocasião foi discutido com estudantes da Turma G os antecedentes históricos que possibilitaram a elaboração e aprovação da referida normativa. A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Concluímos que para a LC nº 578 cumprir suas finalidades, é necessário sua atualização por meio da ampliação do cargo de vagas e efetivação dos profissionais não docentes na estrutura das escolas indígenas com vistas a melhoria desta modalidade de ensino.

Palavras-Chave: Legislação Educacional. Lei Complementar nº 578/2010. Profissionais da Educação escolar Indígena. Magistério Público Indígena de Rondônia.

Resumen – La Ley Complementaria nº 578/2010 constituyó un importante marco para la carrera de los (as) profesionales de la Educación Escolar Indígena de Rondônia. En función de eso, el objetivo de este escrito es relatar una experiencia desarrollada en la disciplina Legislación Escolar desarrollada en el 2º semestre de 2021 en perspectiva remota. En la ocasión fue discutido con estudiantes del Aula G los antecedentes históricos que posibilitaron la elaboración y aprobación de dicha normativa. La metodología adoptada fue la investigación bibliográfica y la investigación documental. Concluimos que es necesario que la LC nº 578 cumpla sus finalidades, ampliando el cargo de vacantes y haciendo efectiva la inserción de los profesionales no docentes en la estructura de las escuelas indígenas con vistas a la mejora de esta modalidad de enseñanza.

Palabras clave: Legislación Educativa. Ley Complementaria nº 578/2010. Profesionales de la Educación Escolar Indígena. Magisterio Público Indígena de Rondônia.

Introdução

O planejamento da disciplina Legislação Educacional, componente da matriz curricular do curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia se estruturou a partir de leituras e debates sobre as normativas nacionais e locais. Nesta direção, uma das ações desenvolvidas envolveu o estudo da Lei Complementar (LC) nº 578/2010 que marcou o processo de valorização dos (as) profissionais da Educação Escolar Indígena de Rondônia.

Neste sentido, o objetivo deste texto é refletir os antecedentes históricos que possibilitaram a elaboração e aprovação da referida normativa, por meio da pesquisa bibliográfica e documental (GIL, 2008). Uma temática importante na formação docente tendo em vista a necessidade de conhecer a legislação que estabelece importantes dispositivos sobre o funcionamento da carreira de profissionais da Educação Escolar Indígena de Rondônia.

Analisamos que a inserção do estudo da LC nº 578/2010, pode assegurar a visibilidade de estudos e reflexões referentes à valorização docente de forma articulada entre a formação – inicial e continuada, o plano de carreira (definição de salários, as condições de trabalho) e saúde, com vistas ao conhecimento da normativa e a defesa por direitos.

Sobre a carreira docente indígena

As leituras sobre os textos legais permitem afirmar que o país vem construindo desde 1988 mecanismos importantes a respeito dos direitos dos (as) profissionais da educação a partir de suas trajetórias. Neste sentido, a Constituição federal estabeleceu no artigo 206 questões neste sentido: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: […]. V- valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivo por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas. […]”. (BRASIL, 1988, p. 70, grifo nosso).

A partir daí, houve a reiteração destas premissas em outros documentos, caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/1996, que no artigo nº 67 traduziu a valorização dos (as) profissionais da educação escolar através das ações de planos de carreira, ingresso por concurso público, formação inicial/continuada, piso salarial profissional, progressão funcional e condições adequadas de trabalho. (BRASIL, 1996).

Embora previstos em lei, movimentações posteriores reiteraram em seu documentos a necessidade do cumprimento das ações de valorização do trabalho docente. Nesta direção, apontamos a sistematização final das discussões ocorridas na I Conferência de Educação Escolar Indígena realizada em 2009, em Luziânia, estado de Goiás. Na ocasião, houve a explicitação de questões a respeito da necessidade de criação de políticas públicas para o magistério indígena:       

Criação de plano de cargos e salários que respeite a diversidade dos povos indígenas e que seja elaborado com a participação efetiva dos professores indígenas e suas organizações, assegurando todos os direitos trabalhistas em cada termo de contrato, reconhecendo que os professores indígenas têm direito a um regime de trabalho diferenciado. […]. Os estados e municípios devem garantir concurso público específico e diferenciado, por povo indígena, para os cargos de profissionais de educação indígena (pedagógicos e administrativos), respeitando as escolhas e realidade de cada povo. (BRASIL, 2009, p.  10).

Três anos depois, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena por meio do Parecer nº 13/2012 estabeleceu as ações colaborativas que precisam ocorrer de forma articulada para a efetiva garantia desta modalidade educativa:

O direito à educação escolar diferenciada, fundamentada nos princípios comunitário, da interculturalidade, do bilinguismo e da especificidade, é assegurado, no plano formal, por dispositivos jurídicos que passam a orientar as políticas educacionais brasileiras nas últimas décadas. […]. Tais políticas carecem, para se efetivar, da articulação entre os diferentes sistemas de ensino, definindo-se suas competências e corresponsabilidades. (BRASIL, 2012, p. 28).

A leitura deste documento permite compreender que a tarefa de oferecer e executar a EEI é responsabilidade dos Estados e dependendo da situação pode ser viabilizada com o compartilhamento de atividades com os municípios. Dentre outras ações, devem encaminhar providências no sentido de regulamentar o funcionamento das escolas indígenas no sistema estadual, o que exige a disponibilização de recursos financeiros para assegurar respostas quanto à sua estruturação física e humana. Neste contexto emerge a demanda pela estruturação do magistério e demais profissionais indígenas, tais como: concurso público, formação inicial e continuada e a produção de material didático intercultural que atenda às necessidades formativas das escolas nas aldeias. (BRASIL, 2012).

Estes elementos cada vez mais têm sido interpretados em perspectiva indissociável: “Há consenso entre pesquisadores e entidades sindicais do magistério de que a valorização docente deve ocorrer a partir de três dimensões: a formação inicial e continuada; a carreira, o que compreende os salários e os planos de carreira; e as condições de trabalho. […]. (PIOLLI, 2015, p. 483).

Mas, como esta discussão ocorreu no estado de Rondônia considerando o conjunto de especificidades culturais e linguísticas que a caracteriza? A resposta a esta questão considera que as premissas constitucionais expressas no artigo 206 quanto à valorização profissional na EEI e sua reiteração na LDB nº 9.394/1996 constituíram o arcabouço legal que possibilitou repercussões favoráveis em Rondônia através da discussão, elaboração e publicação da Lei Complementar nº 578 que definiu os processos referentes: “[…] a criação do Quadro de Magistério Público Indígena do Estado de Rondônia, da carreira de Professor Indígena e da carreira de Técnico Administrativo Educacional Nível 1 e Técnico Administrativo Educacional Nível 3 […]” (RONDÔNIA, 2010, p. 1). Esta discussão será objeto de atenção do próximo tópico.

Fragmentos históricos acerca da carreira docente indígena em Rondônia

A Educação Escolar indígena em Rondônia, assim como em outras unidades da federação, vem se constituindo por meio da criação das escolas nas aldeias, contratação emergencial de professores e professoras e disponibilização de materiais didáticos produzidos para contextos não indígenas. Significa afirmar que a preocupação específica com políticas públicas relacionadas ao ingresso por meio de concurso público, passaram a ter maior visibilidade na pauta de reivindicação com a criação da Organização de Professores e Professoras Indígenas de Rondônia e Noroeste de Mato Grosso (OPIRON) em março de 1999.

Diante da inoperância e da negligência histórica dos órgãos governamentais responsáveis pela implementação das políticas públicas para a Educação Escolar Indígena, foi necessário viabilizar mecanismos e instâncias legais que garantissem às sociedades indígenas a participação nas decisões relacionadas à educação escolar para o seu povo. Dessa forma, foi surgindo a necessidade objetiva de criar organizações de professores indígenas e, conseqüentemente, fluindo o processo de construção das políticas para suas escolas. (ABRANTES, 2002, p. 65).

Conforme dados da imprensa local[1], em 2003 Rondônia contabilizava uma população indígena de cerca de 8 mil pessoas de diferentes povos e línguas. A rede da Educação Escolar Indígena era composta por 65 escolas, 2.700 estudantes, 154 professores indígenas. Neste período, 126 estavam em processo de formação através do Projeto Açaí. Este dado permite inferir que de forma geral, antes de reivindicar o concurso público, os registros[2], dão conta que o movimento indígena por meio da OPIRON tinha como principal reivindicação a formação docente. A esse respeito vale acrescentar que foi neste ano que representantes do movimento indígena encaminharam ao secretário de Educação da época, uma lista referente às demandas da Educação Escolar indígena, dentre outras, a continuidade do Projeto Açaí (curso de magistério em nível médio) e a viabilização da Licenciatura Intercultural.

Após a conclusão do Projeto Açaí em 2004, a reivindicação mais importante, ainda no campo da formação foi o acesso à Educação Superior. Em estudos anteriores, (NEVES, 2013) explicitamos aspectos deste processo histórico, político e pedagógico que culminou com a criação do curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR) em 2008. Assim, foi no contexto da formação docente indígena que a temática da valorização da profissionalidade indígena de Rondônia passou a ser mais discutida.

No início do ano de 2009, a manchete “Carreira de professor indígena é defendida em projeto de lei”[3] publicada em um página digital local informava alguns resultados da reunião de trabalho realizada em dois dias no município de Porto Velho, em Rondônia. A primeira autora deste texto, representou a Universidade Federal de Rondônia nesta reunião mobilizada pelos movimentos indígenas e Ministério Público Federal (MPF). Ela relembra que a discussão envolveu docentes, lideranças indígenas, outros órgãos governamentais e Organizações Não Governamentais (ONG). E que nestes dias, a preocupação principal era apresentar uma proposta normativa que regulamentasse a atuação profissional indígena em Rondônia. Até então, o ingresso à docência indígena ocorria exclusivamente por meio de contratações emergenciais – atos administrativos instáveis que além de produzir insegurança profissional, excluía estes profissionais das políticas de valorização específicas e diferenciadas.

Posteriormente, no final de maio de 2010 um grupo de docentes indígenas de diferentes regiões acompanhou a votação do Projeto de Lei que resultou na LC nº 578/2010, um fato histórico na direção da valorização dos profissionais da Educação Escolar Indígena de Rondônia, confirmando a “[…] História como possibilidade e não como determinação. […]”.  (FREIRE, 1996, p. 46). Um registro importante para a memória das lutas pela dignidade na Educação Escolar Indígena e seus Profissionais. 

O resultado desta mobilização foi a publicação de uma legislação com 45 artigos, dentre os quais assegurou à docência indígena a liberdade de cátedra, ingresso por meio de concurso público, progressão funcional, formação inicial e continuada. Além disso definiu uma estrutura organizada em 3 (três) níveis e 18 (dezoito) referências para o cargo da docência indígena de modo que contemplou a formação em nível médio e a formação em nível superior, incluindo também os sabedores e sabedoras, atores históricos nos processos formativos da educação escolar Indígena desde o seu surgimento. (RONDÔNIA, 2010).

Figura 1 – Acompanhamento da votação da Lei 578/2010

Fonte: Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia (GPEA).

Vale ressaltar que embora tenha sido publicada em 2010, apenas em 2015 uma parte importante desta legislação foi materializada, a realização do concurso público. Esta política pública embora atrasada trouxe certa dignidade ao coletivo docente indígena de Rondônia na medida em que reduziu uma parte dos inseguros contratos emergenciais. Podemos inferir que esta medida atendeu parcialmente o artigo 21 da Resolução nº 5 que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica no que se refere à profissionalização da docência indígena. (BRASIL, 2012).

Considerações Finais

A finalidade desta reflexão foi compartilhar aspectos de uma experiência didática trabalhada no 2º semestre de 2021 na Turma G por meio da disciplina Legislação Educacional. Na oportunidade, estudamos a Lei Complementar nº 578 que foi publicada em 2010 e materializada em 2015 com a realização do concurso público para profissionais da Educação Escolar Indígena de Rondônia.

Este trabalho considerou os procedimentos metodológicos da pesquisa bibliográfica e documental. Foi possível observar que a publicação desta Lei reduziu em parte os contratos emergenciais como ingresso para a atuação na Educação escolar Indígena. No entanto, conforme os debates em sala de aula explicitaram, as escolas das aldeias ainda são marcadas pela falta de profissionais não docentes, para ocupar espaços na direção, secretaria, merenda e zeladoria.

Uma situação de precarização do trabalho docente indígena na medida em que estas atividades são incorporadas pelos professores, professoras ou voluntários (as). É necessário que a LC nº 578 cumpra suas finalidades com a revisão e ampliação de vagas de modo a efetivar a inserção dos profissionais não docentes nas estruturas escolares indígenas de Rondônia, aspecto relevante para o avanço desta modalidade de ensino.

Referências

ABRANTES, Cristovão Teixeira. Organização dos Professores Indígenas de Rondônia e Noroeste de Mato Grosso: relações com políticas públicas de educação e as escolas indígenas. In: MARFAN, Marilda Almeida (Org.). Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação: formação de professores. Brasília: MEC/SEF, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394.  Brasília, p. 27833- 6544 de 23 de dezembro de 1996.

Brasil. Documento final da I Conferência de Educação Escolar Indígena. Luziânia-GO, 16 a 20/11/2000.

BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 5, de 22 de junho de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2012.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.  26. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2018.

NEVES, Josélia Gomes Neves e outros (org.). Escolarização, cultura e diversidade: percursos interculturais. Porto Velho-RO: EDUFRO, 2013.

PIOLLI, Evaldo.  A valorização docente na perspectiva do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 97, p. 483-491, set.-dez., 2015.

RONDÔNIA. Lei Complementar nº 578 de junho de 2010. Dispõe sobre a criação do Quadro de Magistério Público Indígena do Estado de Rondônia, […]. Disponível em: https://sapl.al.ro.leg.br/norma/4997   Acesso em: mar. 2015.

RONDÔNIA RONDONIAGORA. Carreira de professor indígena é defendida em projeto de lei. Disponível em: https://www.rondoniagora.com/geral/carreira-de-professor-indigena-e-defendida-em-projeto-de-lei   Acesso em: mar. 2015.


[1] Acervo ISA. Proposta de educação indígena é questionada. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/noticias/proposta-de-educacao-indigena-e-questionada Acesso em: 20 maio 2021.

[2] Acervo ISA. Governo apóia índios. Disponível em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/noticias/governo-apoia-indios Acesso em: 20 maio 2021.

[3] Disponível em: https://www.rondoniagora.com/geral/carreira-de-professor-indigena-e-defendida-em-projeto-de-lei Acesso em: 20 mar. 2020.

* Docente no Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural – Universidade Federal de Rondônia joseliagomesneves@gmail.com

** Docente no Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural – Universidade Federal de Rondônia. vanubia.sampaio@unir.br

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