Adilson Luiz Gonçalves Colunistas Crônicas

DIÓGENES E O PAÍS DAS INDULGÊNCIAS

“Corruptissima republica plurimae leges”. (Gaius Cornelius Tacitus, 56-117)  

Segundo o Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis, indulgência é a tolerância para perdoar os erros alheios, perdão de culpa ou dívida, remissão parcial ou total dos pecados cometidos, ou falta de rigor. 

A palavra indulgência vem do latim “indulgentia”, de onde também deriva a palavra indulto, que significa perdão de pena. 

Na Idade Média, a Igreja Católica passou a vender indulgências, com os pecadores pagando pela remissão de seus pecados. Isso virou um grande negócio, assegurando poder político e econômico, e tranquilidade para os nobres e poderosos fazerem o que quisessem. Era uma forma de “comprar seu lugar no céu”, ainda em prática, atualmente, em certos meios religiosos. 

Seja um país fictício, com um arcabouço legal profuso e confuso, no qual as indulgências são comuns, sobretudo para os grandes pecadores, incluindo o crime organizado e a corrupção institucionalizada. 

Nesse país hipotético, os pecadores geralmente são muito bem assessorados, servindo-se de poder político, econômico e, até, religioso, além de outras formas de dissuasão e convencimento menos republicanas, para exercerem seus intentos. Valem -se dos meandros legais e incertezas sobre decisões, que, não à toa, mostram que até o passado é incerto. 

Gozam de imunidades, foro privilegiado, penalidades brandas, progressões de pena, indultos e outras disposições legais que levam à percepção da sociedade e a certeza de transgressores de que o crime compensa. 

Nesse pretenso país, o discurso de que a marginalidade é culpa da sociedade, trata criminosos como vítimas, sempre com alguém disposto a defendê-los; e vítimas como seus algozes. 

Lá, ora vale a “letra da lei”, ora interpretações da legislação. Isso em várias instâncias, percorrendo caminhos tortuosos e longos, que variam a urgência seletiva à caducidade, nas gavetas do esquecimento oportuno, ou do desleixo funcional. 

Remédios ou tratamentos podem ser liberados somente após a morte do interessado; atrasar uma pensão alimentícia pode gerar prisão, enquanto roubo de milhões e corrupção precisam ser provados em última instância. E isso, se nenhum erro processual invalidar o processo, por mais instâncias que já tenha percorrido. 

Nesse país, os direitos são absolutos, para alguns, mas os deveres são relativos. Assim como na obra de George Orwell, nele, todos são iguais, mas, uns são mais iguais que outros; e os interesses a ações de poucos prejudicam milhões, que, além de lesados, ainda são obrigados a pagar a conta, por vezes com a perda de esperança ou da própria vida. Sem falar na alienação, ignorância ou fanatização que fomentam, para garantir seu poder e benesses, muitas delas ilegais, além de imorais. 

Alguns dirão que esse é um país indulgente. Mas, Diógenes (412-323 a.C.), fosse vivo, teria dificuldades para percorrer os caminhos dos beneficiados por esse modelo de autoindulgência. Sua lanterna seria roubada, ou ele seria acusado de constranger psicologicamente terceiros. Quem sabe seria ridicularizado e “cancelado” nas redes sociais. Isso, sem falar na possibilidade de sequer sair vivo do trajeto. 

Esse país imaginário, onde o pecador sequer reconhece sua culpa, às vezes respaldado por leis de sua própria lavra; e quem deveria julgá-lo, às vezes por ele escolhido, também não a identifica, pode ser considerado democrático e humanista? 

Não parece. 

Ainda bem que esse país é fictício! 

Adilson Luiz Gonçalves 

Escritor, Engenheiro e Pesquisador Universitário 

Membro da Academia Santista de Letras 

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