Adilson Luiz Gonçalves cinema Colunistas Crônicas Cultura

Z

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            “Z” é um ultrapremiado – inclusive com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Globo de Ouro, em 1970 – filme de 1969, dirigido por Costa-Gavras.

            Além de ser, talvez, o título mais curto da história do cinema, esse filme é poderoso, até por ter o poder como tema, algo bem ao gosto desse cineasta grego, naturalizado francês.

            O cenário é a Grécia do início da década de 1960:

            Um deputado de oposição (Yves Montand) é assassinado, mas tudo é orquestrado para parecer um acidente. No entanto, um dos suspeitos é perseguido e, após uma luta, ao som de um impressionante tema, composto por Míkis Theodorákis, é detido.

            A desconfiança sobre o motivo do crime começa quando o preso, ao ser interrogado, pergunta despreocupadamente, quando será servido o “ragu”, na certeza de que logo seria liberado.

            Um juiz (Jean-Louis Trintignant) passa a instruir o caso e, durante a investigação, descobre que o assassinato ocorreu por motivação política, pois o deputado era considerado uma ameaça ao governo.

            Todo o processo vai sendo noticiado na TV.

            A investigação chega ao poder e, cada um dos investigados age de forma arrogante, considerando uma ousadia e, até, um absurdo serem investigados. Talvez se considerassem insofismáveis, intocáveis.

            Não à toa, o título do filme, em Portugal, é “Z – A Orgia do Poder”.

            Os testemunhos e evidências afloram, confirmando a motivação política do assassinato, e a veracidade da corrupção e de outros crimes que o deputado iria denunciar.

            Todos os envolvidos, inclusive os poderosos, são condenados, o que fez a plateia do cinema em que o vi, no final dos anos de 1970, comemorar efusivamente.

            No entanto, esse momento mágico é abruptamente quebrado, quando a câmera se aproxima de quem apresentava o telejornal, enquanto os crimes e prisões eram relatados, para, em seguida se distanciar, com outra pessoa narrando, então, acidentes fatais e mortes de todos os que haviam participado das investigações, inclusive o juiz. Quem apresentava também fora “descartado”, na “revisão do processo”.

            Creio que a maioria das pessoas que assistiram esse filme, assim como eu, saíram do cinema acabrunhada com o desfecho, principalmente por nos lembrar que a vida imita a arte, como a arte imita a vida.

            Vi esse filme apenas uma vez, há mais de trinta anos. Mas seu enredo tem se repetido com frequência desde então, no cotidiano, sempre com resultados nefastos e negação de valores morais e éticos que deveriam ser cláusula pétrea de quem se propõe a exercer poder.

            O juiz do filme agiu em nome da justiça cega, ignorando o poder de quem investigava. Foi vítima de sua integridade! Mas, será que os que o sucederam foram cegos de outra forma?

            Vi certa vez, um juiz discursar, garantindo que sua conduta seria íntegra, com a assistência o aplaudindo de pé!

            Lembrei de meu pai, que sempre que eu lhe contava algo correto que havia feito, respondia: “Não fez mais nada além do que sua obrigação”!

            Mas, aqueles aplausos também poderiam significar surpresa pela afirmação do palestrante, quase uma esperança ou súplica da sociedade, o que é preocupante.

            A mensagem, mais ou menos óbvia, de “Z” é de que desafiar o poder é perigoso, até porque o corporativismo e “rabos presos”, por cumplicidade ou gratidão, o tornam rizomático, com tramas espalhadas em vários níveis, mesmo nos, em tese, insuspeitáveis, qualquer que seja o regime político, ideologia ou crença predominante.

            Mas “Z” é apenas um filme.

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro e Pesquisador Universitário

Membro da Academia Santista de Letras

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