Educação Educação educação infantil

Narrativas Docentes sobre Manifestações de Sexualidade e Gênero na Infância

Narrativas Docentes sobre Manifestações de Sexualidade e Gênero na Infância

Gisele Sena Lisboa*

Maria Isabel Alonso Alves*

Resumo: O artigo em questão buscou analisar narrativas de professores/as da Educação Infantil acerca das manifestações da sexualidade e gênero na infância no contexto de Humaitá/AM. Trata-se de resultado de Pesquisa de Iniciação Científica entre 2022 e 2023 (PIBIC) na Universidade Federal do Amazonas, Unidade de Humaitá/AM, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). A metodologia adotada teve como base a abordagem qualitativa em educação, amparada nas técnicas de entrevistas. Os dados foram discutidos e analisados a partir dos conceitos de gênero e sexualidade na escola, conceitos trazidos por Meyer (2004), Louro (2004), Felipe (2007), Xavier (2012) dentre outros autores e autoras que versam sobre o tema. Os resultados apontam para a forma como as professoras concebem o conceito de gênero e lidam com as manifestações de sexualidade no contexto da educação infantil, além da falta de formação inicial e continuada no âmbito de suas formações acadêmicas.

Palavras-chave: Educação Infantil. Manifestação das Sexualidades. Gênero. Formação Docente.

Summary: The article in question sought to analyze narratives from Early Childhood Education teachers about the manifestations of sexuality and gender in childhood in the context of Humaitá/AM. This is the result of Scientific Initiation Research between 2022 and 2023 (PIBIC) at the Federal University of Amazonas, Humaitá/AM Unit, with funding from the Amazonas State Research Support Foundation (FAPEAM). The methodology adopted was based on the qualitative approach in education, supported by interview techniques. The data were discussed and analyzed based on the concepts of gender and sexuality at school, concepts brought by Meyer (2004), Louro (2004), Felipe (2007), Xavier (2012) among other authors who deal with the topic. The results point to the way teachers conceive the concept of gender and deal with manifestations of sexuality in the context of early childhood education, in addition to the lack of initial and continuing training within the scope of their academic training.

Keywords: Early Childhood Education. Manifestation of Sexualities. Gender. Teacher Training.

Introdução

As problematizações advindas das convencionais concepções do gênero e da sexualidade ainda têm sido a causa das atuais preocupações de parte de docentes que atuam nos diversos segmentos da educação, inclusive daqueles que possuem relações diárias com crianças que se encontram inseridas na educação infantil. Guacira louro (2004), uma das estudiosas sobre gênero no Brasil, tem atribuído às práticas educativas das instituições de ensino, bem como dos/as professores/as, uma parcela de responsabilidade na “produção” e na “reprodução” de papéis a serem exercidos pelos sujeitos.

Sendo assim, as escolas, inclusive aquelas do segmento infantil, tem em suas práticas educacionais, propagado a disseminação das convencionais concepções de gênero e sexualidade, ocasionando, de certa forma, nas atuais problematizações que implicam no desenvolvimento das diferenças, reflexões sobre as desigualdades e subordinação do gênero no âmbito social e escolar, uma vez que, ainda que estas, durante o desenvolvimento dos procedimentos das práticas didáticas e pedagógicas visem o não exercício do preconceito de gênero, outrora não estão incluídas em suas bases curriculares as devidas orientações e metodologias para o alcance de tal objetivo.

Na atual conjuntura histórica e política do Brasil tem observado a partir dos discursos de alguns grupos políticos e conservadores, ideologias, valores e crenças que disseminam contextos de “não verdades” sobre as questões de gênero na escola, isso, inclusive, por parte daqueles que poderiam estabelecer novas diretrizes para debates e discussões das problematizações que gradualmente crescem no interior da sociedade. Existe, a priori, uma preocupação e atenção para aquilo se ensina nas escolas acerca das questões de gênero, ora atribui-se aos professores e professoras a responsabilidade sobre comportamento das crianças, de meninos e meninas em relação às “manifestações de sexualidade infantil”, ora há certa vigilância sobre tais discursos e práticas pedagógicas, ficando os docentes à mercê dos contextos políticos aos quais suas práticas são regidas.

Tais práticas e preocupações se devem, segundo Dornelles (2005), no livro “Infância que nos escapam”, a discursos que pensam a infância como “atemporal, ingênua e dependente”. Dornelles (2005) explica que tais discursos estão naturalizados socialmente, por isso nos sentimos incapazes de duvidar deles ou de nos atrever pelos caminhos que levaram tais convicções a se firmarem como “a verdade” sobre a infância. Esse “temor reverencial”, que diz respeito às manifestações da sexualidade na infância é o que tem condicionado as ações, práticas padronizadas e normas de condutas, nas diretrizes das escolas com vista para o direcionamento das crianças ao que é considerado normal, como modelo de se fazer manter a ordem e estabilização dos procedimentos internos escolares.

Dornelles (2005, p. 12), assegura que “trata a infância como produto de uma trama histórica e social na qual o adulto que com ela vive busca capturá-la através da produção de saberes e poderes com vistas a seu direcionamento”. Nesta perspectiva, pode-se afirmar que as convencionais concepções sobre a sexualidade na infância, também são produtos da construção social e cultural dos adultos com base nos discursos naturalizados socialmente de uma infância outrora “atemporal, ingênua e dependente como já mencionada, e também assexuada, sem malícia e, portanto, necessitada de ser preservada da influência do mundo em uma contínua vigilância” (Dornelles, 2005, p. 12).

Levando em consideração as questões de gênero na escola, muitas vezes, as crianças são orientadas a brincar de forma segregada, meninos com meninos e meninas com as outras meninas. Isso se deve ao fato de que, geralmente, a sociedade a partir de seus discursos ideológicos acaba exigindo a separação de gênero entre as crianças. A educação e a visão educacional das escolas se baseiam também, com o pensamento na preocupação do que as famílias das crianças venham pensar a respeito das práticas desenvolvidas pelos professores/as, tendo em vista que muitos pais não possuem a formação necessária para tal influência no desenvolvimento das atividades na escola. Partindo desses apontamentos, destacamos alguns questionamentos: Que narrativas os/as professores/as da Educação Infantil possuem sobre manifestações da sexualidade e gênero na infância? Como os professores/as se sentem em relação às manifestações da sexualidade que aparecem no cotidiano da educação infantil? Como estes/as lidam com as ocorrências que surgem no ambiente escolar? Que discursos estes/as produzem acerca das questões de gênero na escola? Na tentativa de responder tais questionamentos, froi pensado como objetivo geral, analisar narrativas de professores/as da Educação Infantil acerca das manifestações da sexualidade e gênero na infância.

Metodologia

A pesquisa foi pautada na abordagem qualitativa em educação, na qual o pesquisador além de interligar aspectos que envolvem os meios sociais, culturais, históricos ou até mesmo antropológicos, consegue analisar fatores que vão além da amostragem de dados, isto significa que ela é capaz de identificar, refletir e analisar dados que não podem ser apenas mensurados estatisticamente, mas que podem ser interpretados a partir do ponto de vista da linguagem. Optou-se pela abordagem qualitativa em educação com ênfase nas técnicas de entrevistas narrativas uma vez que esta é considerada uma técnica valorosa na produção dos dados, pois, Nas entrevistas narrativas se considera que nossa memória é seletiva, lembramos daquilo que „podemos‟ e alguns eventos são esquecidos deliberadamente ou inconscientemente (Andrade, 2012). “Nessa perspectiva, o importante é o que a pessoa registrou de sua história, o que experienciou, o que é real para ela” (Muylaert et al, 2014, p.1997).

A pesquisa em questão foi desenvolvida a partir de três etapas: 1) foi realizado um levantamento e estudo bibliográfico acerca do tema; 2) na segunda, foi feito o levantamento e sistematização dos dados bibliográficos da pesquisa, submissão do projeto na Plataforma Brasil e elaboração deste relatório parcial; 3) a última fase, foi realizada a pesquisa de campo – as entrevistas, sistematização e análise dos dados produzidos. A análise foi interpretativa (Ludke; André, 2013) e fundamentada por teóricas e teóricas que discorrem sobre as questões de infância, gênero e sexualidade na escola.

Resultados/discussões

Quando falamos da questão de gênero e sexualidade na escola, logo nos vem a memória de quem seja os profissionais responsáveis em contato direto com as crianças, se estes possuem formação adequada ou qual é a formação destes educadores, pensando nisso, a entrevista que realizei para fomento deste projeto teve como base perguntas as quais me direcionaram a realizar uma análise precisa da temática abordada, tendo em vista que, as declarações feitas durante a entrevista nos mostram fatores importantes que vão desde a formação das professoras, perpassando por sua avaliação como atuante da educação infantil, até sua concepção real do que seria a conceitualização de gênero e sexualidade na educação infantil.

O trabalho sucedeu-se em uma entrevista com cada doente, nela foi mantido o anonimato da identidade das participantes como recomendado pelo comitê de ética, agrupando as entrevistadas em PP1, PP2, PP3, PP4, PP5, se tratando de abreviação de Professora Participante e a ordem da entrevista. As entrevistas foram realizadas com cinco professoras da Educação Infantil, sendo todas graduadas em pedagogia com idade entre 23 a 50 anos. Não encontrei em meio a minha busca pelas escolas de Humaitá – AM professores (do sexo masculino ou que se definisse do gênero masculino) atuando na área. Como cada uma das professoras possuem idades diferentes, isso nos faz refletir a formação ao longo dos anos, seu progresso ou regresso dentro da ótica de cada sujeito. Pensando em conhecer a formação das professoras que estão hoje sendo responsáveis por serem mediadoras entre o questionamento e necessidade de conhecimento de cada criança, torna-se indispensável a formação continuada e nos casos citados não há especialização na formação da maioria das docentes entrevistadas. Considera-se essencial que as professoras se atualizem, entendam e investiguem como podem ajudar as crianças que em diversas vezes dentro do seu âmbito familiar não tem acesso a discussões acerca de gênero e manifestação da sexualidade na infância, de modo a conhecerem sobre si e o outro. De acordo com Lordani, Cruz e Araújo (2022), “É por meio da formação continuada que o professor poderá compreender os problemas do cotidiano escolar, refleti-los e, assim, planejar práticas educativas que visem o pleno desenvolvimento da criança”. Com relação às memórias da formação escolar e acadêmica das participantes, as dificuldades existente por trás de cada percurso escolar destas ficaram nítidas. Suas narrativas mostraram um trajeto acadêmico doloroso pelas dificuldades da vida. Porém, estas não relatam se o processo de formação em pedagogia as prepararam para atuar na educação infantil, trata-se de memórias de formação, apenas. Cabe destacar que nenhuma das entrevistadas mostraram qualquer memória sobre de formação sobre a temática de gênero ou da manifestação das sexualidades. Sobre a percepção das participantes acerca das manifestações da sexualidade e gênero na educação infantil houve os seguintes relatos:

PP1 – Não dá pra saber a sexualidade da criança, não tem porque lá onde eu trabalho são bebês, como o nome já diz, “Educação Infantil”. Mas já se percebe as questões de meninas e meninos dizerem coisas do tipo “ah eu quero rosa, porque rosa é de menina” e meninos “ah eu quero azul”, essas cenas sim, essas conversas que acontecem na educação infantil. Mas sexualidade não, porque são bebês, eles não têm essa maldade na cabeça deles. O que dá de perceber também é a questão de os meninos quererem mandar na brincadeira e quererem que as meninas sejam submissas a eles talvez porque veem alguma coisa do tipo com os pais, mas como professora da Educação infantil é isso que eu percebo, mas a questão de sexualidade mesmo nunca vi nada do tipo.

PP2 –Eu percebo que as crianças estão bem além daquilo que os pais pensam, o pensamento delas, a forma com o elas veem as coisas e a gente percebe entre as crianças, como por exemplo: é o menino que quer agarrar a menina, quer beijar na boca, é uma coisa que já vem aflorada por natureza é um tema delicado a ser trabalhado, mas é necessário ser abordado na escola desde cedo. Sobre o gênero eu entendo que a sociedade que impõe, é percebido assim, se os pais ensinam os filhos a usar qualquer cor ele vai crescer usando e pra ele vai ser normal. Essas questões de rosa para menina e azul para menino é posto pela família, escola e sociedade e as crianças vão aprendendo, as crianças mesmo não diferem até que ensinem, dentro na sala de aula quando vão pintar com lápis de cor ou tinta, pegam qualquer cor para os desenhos, usam todas elas e pra criança tanto faz e na sala de aula tem brinquedo azul e rosa e a turma de dois anos usam ambas as cores, tanto meninos quanto as meninas.

PP3 – É um pouco difícil e delicado a questão da sexualidade, não se percebe a fundo, é percebido mais a questão do gênero que tá muito introduzida na criança por conta da família. O gênero a gente ve em pequenas coisas, um caso recente foi na hora de dormir que estava forrado o colchão rosa e o menino não quis deitar dizendo que ele não podia deitar ali no rosa, ao ser perguntado o porquê, ele respondeu que rosa é de menina e a professora perguntou por que era de menina e ele disse que a menina que estava deitada no colchão azul não podia também porque era de menino e queria trocar com ela. Na questão dos brinquedos também, a fala de que não pode usar tal brinquedo porque é de menina. Meninos que falam que não podem brincar com meninas e é observável que essas questões de gênero são mais da parte dos meninos de dizerem que não podem fazer tal coisa porque é de menina. Ano passado em 2022 tinha um aluno de 3 anos de idade que era “assediado” por duas alunas, duas coleguinhas de turma que também tinham 3 anos, as pessoas percebiam que toda vez que ele sentava as duas iam atrás dele e sentava uma de cada lado, eu trocava ele de lugar e elas iam atrás e ficavam passando a mão no cabelo e corpo do menino, perguntei para as cuidadoras se elas tinham percebido ou era uma coisa minha, sem fundamento e as cuidadoras também percebiam. As alunas diziam uma pra outra “não meu amor, esse namorado é meu sua piriguete, você deixa meu namorado” e eu percebi que elas sabiam o que era namorar e o menino não sabia, ficava sem entender o que elas estavam dizendo mesmo. Acredito que elas tinham mais acesso a informações e ouviam conversas inapropriadas. Um dia colocando pra dormir uma delas disse: “não professora ele não pode deitar aí, tem que deitar aqui comigo senão eu vou deitar lá na cama dele”. E ela só queria deitar perto dele e eu dizia que não, que ela não ia deitar perto dele e a aluna dizia para ele: “não meu amor, você tem que deitar debaixo da minha coberta”. Eu fiquei assustada com que ouvi e perguntei o que a aluna tinha falado e ela tornou a repetir, foi quando eu disse que não podia, que ela era uma criança, que criança não tem namorado, criança tem coleguinha, amiguinho, namorado só adulto que tem, papai mamãe, titio e titia, mas as crianças não, que crianças só brincava e não tem esse negócio de dormir junto, que o menino era amiguinho dela e não namorado, as duas alunas sempre ficavam revirando o olho e não gostava quando a eu falava, elas sempre repetiam essa atitude e sempre que acontecia eu conversava. As atitudes que a aluna tinha mostrava que ela realmente sabia o que era namorar, que namorados beijavam na boca e dormiam juntos, não era só uma fala ingênua. Um certo dia ela chegou comigo e disse: “professora agora eu tenho um pai, mamãe tá namorando” foi percebido depois disso que a mãe dela tinha uma rotatividade de namorado então ela via muito aquilo e repetia tudo que a mãe fazia, como se a mãe fosse o espelho. Então assim, tem que ter muito cuidado com o que fazemos e falamos na frente das crianças.

PP4 – Eu durante 13 anos que estou trabalhando posso te garantir que ainda não percebi alunos mostrando a sua dúvida sexual no período da educação Infantil, eles se conhecem como meninos e elas se conhecem como meninas eu tento sinceramente incutir e explicar para eles a importância de se conhecer pessoalmente, que nós temos as nossas diferenças, porém, todos nós somos iguais, no brincar, nas diversidades das dinâmicas na sala, claro que não é porque é menina que não vai brincar com carrinho, não é porque é menino que não vai pegar as panelinhas das meninas e cozinhar, daí eu tento explicar que não é porque tá cozinhando a comidinha pra coleguinha que ele é menina, mas que pode ser que no futuro ele pode ser um chef de cozinha e eu aproveito os momentos para trabalhar algo que seja importante para eles, então eu não consigo ver na parte de gênero sexual entre meninos e meninas e nem manifestações com crianças de 4 aninhos.

PP5- Não percebo tanto não, hoje em dia as crianças não fazem muito isso, daqui pra li a gente percebe algumas crianças querendo dar um beijinho na outra e a gente procura muito enfatizar a questão do gênero, menino, menina, essas coisas, não é comum, de vez em quando só.

Sobre as manifestações da sexualidade e gênero na rotina da educação infantil percebemos posicionamentos pessoais das professoras acerca dos temas. Durante as entrevistas elas mostraram estranhamento e certo desconforto com a pergunta, solicitando que eu explicasse melhor sobre a questão. Entre as respostas percebem-se divergências sobre a manifestação da sexualidade da criança, uma das entrevistadas se reporta a sexualidade infantil como “maldade” a ser despertada na criança e não como algo natural do corpo. Todas trataram a sexualidade como algo complicado de se abordar em sala de aula e atribuíram às famílias a responsabilidade. Nas narrativas ficou evidente a falta de formação pedagógica para abordar tais questões na educação infantil. Nesta forma de ver, analisamos que ao falar de sexualidade e gênero as professoras se sentiram desconfortáveis, talvez por ser um tema “tabu” ainda nos espaços escolares.

Partindo do campo educacional, entendemos ser também papel da escola a construção de pensamentos das diferenças, pois a partir do momento que a escola entende ou “determina” que a sexualidade ou gênero pode aparecer em seus espaços – (é de menino, ou seja, objetos e ações que só os meninos (homem) podem fazer e o que seria ideal para a menina, ou seja, objetos e comportamentos relacionando apenas para as meninas (mulher) – ela passa a invisibilizar as sexualidades na escola. A partir do momento que a escola faz essa separação dentro de sala de aula de meninos e meninas, e o que é ensinado para que as crianças a escola estabelecer mecanismos para diferenciar os sujeitos. Percebe-se, nas falas das professoras uma preocupação atribuída ao comportamento infantil em relação às manifestações de sexualidade infantil, as quais, acarretam assim, nos usuais discursos e práticas educativas a serem exercidas no processo de desenvolvimento educacional das crianças dentro e fora das escolas. Tais práticas e preocupações se devem – segundo Leni Dornelles, no livro “Infância que nos escapam” (2005) – a discursos que pensam a infância como “atemporal, ingênua e dependente”. Ela explica que estes discursos estão naturalizados socialmente por isso nos sentimos ou incapazes de duvidar deles ou de nos atrever pelos caminhos que levaram tais convicções a se firmarem como a verdade sobre a infância. Esse “temor reverencial”, que diz respeito às manifestações da sexualidade na infância, é o que tem condicionado as ações, práticas padronizadas e normas de condutas, nas diretrizes das escolas com vista para o direcionamento das crianças ao que é considerado normal, como modelo de se fazer manter a ordem e estabilização dos procedimentos internos escolares. Dornelles (2005, p. 12), assegura que “trata a infância como produto de uma trama histórica e social na qual o adulto que com ela vive busca capturá-la através da produção de saberes e poderes com vistas a seu direcionamento”. Tal produção de saberes e poderes com vista ao direcionamento das crianças pode ser denotado através das falas das entrevistadas.

As professoras também mostraram que não estão totalmente preparadas para efetivamente desenvolver uma prática na qual a pauta seja voltada ao tema das manifestações da sexualidade e gênero com as crianças. A percepção de cada professora sobre o conceito de gênero e sexualidade e baseada no que elas conhecem avaliam suas próprias práticas. Apenas uma professora declarou que sente a necessidade de se aprofundar mais no conteúdo sobre sexualidade para ter mais segurança ao falar com as crianças. Assim, entendemos que o gênero da docência passa a ser uma questão imprescindível. Como mostram as as professoras em suas narrativas, estas aparentam não saber lidar com a temática e acabam invisibilizando as manifestações de sexualidade e gênero nas ocorrências das salas de aula.

Sobre a formação inicial para atuar na temática de gênero e sexualidade, as professoras ressaltaram não terem tido qualquer acesso à discussão em sua formação acadêmica durante a formação inicial. Sobre os aspectos da formação para o ensino sobre a temática é possível destacar que foi somente a partir do século XVI, conforme afirma Colin Heywood (2004), que se passou a considerar pensou o conceito de criança como sujeito em desenvolvimento e não mais como adultos em miniatura. A partir desta nova perspectiva, surgiram-se as preocupações com educação das crianças no âmbito familiar, e também na escola, a fim de que estas pudessem estar aptas a serem inseridas – conforme os usuais costumes, normas e tradições – na sociedade.

Guacira Louro (2004) atribui às práticas educativas das instituições de ensino, bem como dos/as professores/as uma parcela fundamental na “produção” e na “reprodução” de papéis a serem exercidos pelos sujeitos. Segundo a estudiosa, “currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagens, materiais didáticos, processos de avaliação, são seguramente, Locus das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe – são todos constituídos por essas distinções e ao mesmo tempo seus produtores”. Sendo assim, as escolas têm – em suas práticas educacionais – propagado a disseminação das convencionais concepções de gênero e sexualidade, ocasionando, de certa forma, nas atuais problematizações que implicam no desenvolvimento das diferenças, das desigualdades e da subordinação do gênero no âmbito social e escolar, uma vez que, ainda que estas – durante o desenvolvimento dos procedimentos das práticas didáticas e pedagógicas – visem o “não exercício do preconceito”, outrora não estão incluídas em suas bases curriculares as devidas orientações e metodologias para o alcance de tal objetivo, antes, prevalecem os próprios interesses, ideologias, valores e crenças, por parte daqueles e daquelas que poderiam estabelecer novas diretrizes para debates e discussões das problematizações que gradualmente crescem no interior da sociedade.

Nesta perspectiva, pode-se afirmar que, as convencionais concepções sobre a sexualidade na infância, também, são um produto da construção social e cultural dos adultos com base nos discursos naturalizados socialmente, de uma infância outrora “atemporal, ingênua e dependente”, e também, “assexuada”, “sem malícia e”, portanto, “necessitada de ser preservada da influência do mundo” em uma contínua “vigilância” (Louro, 2002).

Em um dado momento das entrevistas, ao serem questionad sobre a prática docente frente às manifestações da sexualidade na infância, as professoram mostraram certa preocupação com a situação em relação sobre, o que elas, enquanto professoras deveriam fazer, uma vez que, estavam ali para educar as crianças numa perspectiva em que pudessem aprender certa convivência e obter o conhecimento de como o um menino deveria agir diferentemente de uma menina e vice-versa. Isso se deve ao fato de, os pais, muitas vezes, exigirem das professoras esse tipo de separação entre as crianças somente por serem meninos ou meninas.

A perspectiva para muitos adultos é que, uma criança que apresenta tais situações no ambiente escolar pode afetar o desenvolvimento das outras, o que acarreta nessa relutância de muitos pais em aceitar e ainda, exigir o máximo cuidado dessas instituições. Nisto implica o surgimento de eventuais problematizações para as escolas, o qual elas terão que arcar com as possíveis consequências, em vista da responsabilidade de educar a criança, de maneira que ela não viole o respeito a educação das demais, da criação das demais crianças. Parafraseando a autora Constantina Xavier Filha (2009), em decorrência destas situações, adota-se uma educação de contenção, vigilância e dispersão nas ações dos adultos – seja no núcleo familiar ou no interior das instituições escolares –, sendo assim, eles produzem um tipo de educação sexual.

Cabe ressaltar que o artigo aqui apresentado consiste em analisar as narrativas docentes acerca das manifestações de gênero e sexualidade na escola. A autora Guacira destaca que: “Gênero é uma construção que se dá nas relações sociais e seu significado está para além das diferenças biológicas entre os sexos. Ele condiz com a representação do que se considera feminino e masculino numa dada cultura” (Louro, 2004, p. 22).

Algumas Considerações

Foram perceptíveis o estranhamento das professoras ao perceberem que atemática em si se tratava de um assunto pouco discutido dentro do âmbito escolar, de início foi apresentado os objetivos do projeto para as diretoras responsáveis de cada escola que houve a entrevista e a dificuldade era encontrar dentro da escola docentes que quisessem ser entrevistadas, em uma das escolas, depois de expor sobre o que se tratava o tema da pesquisa, fomos inqueridas a deixar o roteiro da entrevista com as professoras e voltar depois para buscar as respostas, como isso não teria um resultado significativo para a pesquisa, recusamos e voltamos em um horário pré-estabelecido com as professoras, que disponibilizaram alguns minutos para  atendermos. Durante as entrevistas sentimos certa resistência das professoras na abordagem do assunto, talvez pela formação acadêmica falha nestes aspectos ou mesmo por divulgação em redes sociais sobre a temática, que tem ampliado a disseminação de “falsas verdades” acerca da “ideologia de gênero”, amplamente difundida nos discursos políticos extremistas nos últimos tempos. Em suma, as respostas apontaram que a concepção sobre gênero e sexualidade distancia ainda permanecem como tabu nas salas de aula, inclusive nas escolas de educação infantil.

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Citar como:

LISBOA, Gisele Sena; ALVES, Maria Isabel Alonso. Narrativas Docentes sobre Manifestações de Sexualidade e Gênero na Infância. Revista Virtual P@rtes. xxxxx


* Discente do Curso de Pedagogia na Universidade Federal do Amazonas, Unidade de Humaitá/AM. Bolsista FAPEAM de Iniciação Científica – PIBIC/UFAM. E-mail: giselelisboa84@gmail.com

* Doutora em Educação. Professora do Magistério Superior na Universidade Federal do Amazonas, Unidade de Humaitá/AM. E-mail: profamariaisabel@ufam.edu.br.

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