Mara Rovida

Ela vai pelo corredor pilotando sua magrela

Mara Rovida*

Mara Rovida é jornalista, doutoranda no PPGCOM da ECA-USP e membro do Grupo de Pesquisa do CNPQ Comunicação e Sociedade do Espetáculo
Mara Rovida é jornalista, doutoranda no PPGCOM da ECA-USP e membro do Grupo de Pesquisa do CNPQ Comunicação e Sociedade do Espetáculo

Há anos ia na garupa; para o trabalho, de volta para casa, para o supermercado ou para o banco. Um dia, decidiu mudar de lugar. Reinaldo, eu vou aprender a pilotar, vou comprar uma moto menor pra mim. O incrédulo marido não deu muita importância, mas deixou clara sua contrariedade. Não conta comigo pra te ensinar, se quiser mesmo, vai fazer autoescola.
Ana Clara estava decidida e, na mesma semana, fez a matrícula no curso de direção categoria A. No primeiro dia de aula, não conseguia nem se equilibrar na magrela. É pesada, não consigo segurar. Ninguém parecia muito interessado na mocinha loira, de jeans e sapatilha.
Mais uma e outra tentativas….frustradas. Nem força para sair com a motocicleta ela tinha. Foi então que ouviu uma bela gargalhada, seguida de uma proposta animadora. Oh minazinha, você quer mesmo aprender a pilotar?
Claro.
Então, para tudo….está tudo errado. Vem aqui, eu vou te ensinar.
Em seu estilo cachorro-loco, mano da quebrada, motoboy profissa, Heitor foi explicando os macetes da direção sobre duas rodas.
Você tem de usar as coxas pra segurar a moto, assim oh. Aperta ai e se equilibra. Isso ai….assim mesmo, garota. Agora você acelera devagar e vai deslizando, troca a marcha e continua….
Algumas voltas depois, ele desce da garupa e libera a novata. Pronto, é só treinar mais um pouco que você vai ficar craque.
Ana Clara seguiu com as aulas, fez a prova e conseguiu a nova habilitação A/B. Comprou sua primeira moto; optou por um modelo de baixa cilindrada, leve e barato. Treinou um pouco nas proximidades de casa nos fins de semana e, assim, se preparou para o teste de fogo: São Paulo, corredor norte-sul, no horário de pico.
Lá foi ela, de capacete rosa, na sua motoca vermelhinha, pilotando devagar, ao lado do impaciente Reinaldo. Para tudo, ele alertava; para tudo, ele resmungava e mais ela tremia. Ana Clara achou que ficaria na posição de “carro”, ao menos nos primeiros dias, mas o motociclista experimentado não deixou. Você não queria pilotar? Agora vai guiar como se fosse carro? Não, senhora, vai pelo corredor.
Mas, eu não consigo….
Vai conseguir sim….vai lá, eu vou atrás. Não esquece de buzinar, cuidado com os retrovisores…..a buzina, você esqueceu a buzina; sua doida, tem de buzinar.
Ah, é muita informação ao mesmo tempo. Eu não consigo, buzina você.
Um mês depois….
Quem vê Ana Clara nos corredores das avenidas Tiradentes e 23 de Maio não acredita que a cena anterior seja tão recente. Em sua brilhosa motocicleta, a mocinha delicada desliza entre os carros, desviando de retrovisores, freando quando um maluco muda de faixa sem sinalizar e, claro, buzinando para todos os lados.
O maridão impaciente vai ficando para trás…..descolada e motorizada, Ana Clara não depende mais da garupa do Reinaldo, nem da buzina de sua moto possante. Agora, ela escolhe seu caminho, afinal tornou-se pilota de sua própria moto e da vida.

0 Replies to “Ela vai pelo corredor pilotando sua magrela

  1. Adorei a Ana Clara que ela sirva de exemplo para muitas mulheres que continuam na garupa ou vendo a vida pela janela do passageiro.. Aprender, enfrentar e fazer tornam a vida cada vez mais bonita. Parabéns, como sempre você escreve bem porque escreve com a alma.

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