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A responsabilidade das empresas cúmplices da ditadura no Brasil

A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS CÚMPLICES DA DITADURA NO BRASIL

Karine Mastella Lang[1]

RESUMO

O presente estudo busca perquirir sobre a responsabilidade das empresas que apoiaram a Ditadura Militar Brasileira, de que forma é possível responsabilizar as empresas privadas que contribuíram para que o período ditatorial brasileiro se mantivesse por tanto tempo, bem como financiaram toda barbárie cometida. Demonstrar-se-á a importância da criação da Comissão da Verdade, bem como se realizará uma reflexão sobre a responsabilização penal e individual das empresas que auxiliaram a ditadura no Brasil e quais as possíveis formas de reparação.

PALAVRAS-CHAVE: Ditadura, empresas, Comissão da Verdade, responsabilização.

ABSTRACT

The present study seeks to inquire about the responsibility of the companies that supported the Brazilian Military Dictatorship, in what way it is possible to hold private companies accountable that contributed to the Brazilian dictatorial period for so long, all barbarity committed. The importance of the creation of the Truth Commission will be demonstrated, as well as a reflection on the criminal and individual responsibility of the companies that helped the dictatorship in Brazil and what possible ways to repair it.

KEYWORDS: Dictatorship, companies, Truth Commission, accountability.

INTRODUÇÃO

 

Pretende-se estudar no presente artigo qual a responsabilidade das empresas que apoiaram a ditadura no Brasil nos anos de 1964 a 1985, de que forma essa responsabilidade pode se dar e como as vítimas podem ser reparadas pelos danos causados devido ao apoio das empresas à ditadura militar. Pretende-se com o presente estudo realizar uma reflexão sobre a responsabilização penal e individual das empresas que auxiliaram a ditadura no Brasil e quais as possíveis formas de reparação. Grandes empresas e pessoas com cargos importantes raramente eram punidas pelos crimes cometidos na época da ditadura. A aliança entre militares e civis contou pessoas físicas e empresas, recursos humanos, materiais e financeiros, em todos os ramos da segurança agindo de modo ilegítimo e às escondidas. Com a criação da Comissão da verdade, novas e antigas informações vieram à tona, o envolvimento de grandes empresas e de pequenos comerciários – doações de dinheiro, veículos, espaços particulares, fornecimento de alimentação, dentre outros. Há registros de envolvidos como: Banco Itaú, Lojas Americanas, Cia. Suzano de Papel e Celulose, Brahma, Coca-Cola, Kibon, Souza Cruz, Globo.

  1. DITADURA BRASILEIRA

2.1 Breves considerações sobre a ditadura no Brasil

 A Ditadura brasileira teve duração a partir do golpe de 1964 até o ano de 1985, visava a manutenção de determinadas pessoas no poder. Tratava-se de uma estrutura complexa que contava com a colaboração de diversas personalidades, incluindo empresas privadas de alto padrão. (SOARES, 2013, p. 390).

Empresas e pessoas com cargos importantes praticamente não eram punidas pelos crimes cometidos no período ditatorial. A aliança entre militares e civis contou pessoas físicas e empresas, recursos humanos, materiais e financeiros, em todos os ramos da segurança agindo de modo ilegítimo e às escondidas. (SOARES, 2013, p. 390).

Além disso, frisa-se que o uso das universidades na ditadura, o que revestia de legalidade a situação e dificultava a resistência ao regime, demonstrando o investimento de outros recursos, diversos ao financeiro. (SOARES, 2013, p. 390).

Era um regime autoritário arquitetado com parcerias entre civis, militares e empresas/corporações, os quais financiavam a ditadura e davam suporte para a manutenção do poder de ditadores. (SOARES, 2013, p. 390).

Existe uma grande movimentação de familiares e defensores dos direitos humanos para penalizar os culpados pelas atrocidades cometidas na ditadura militar brasileira, há um número expressivo de pessoas buscando justiça, bem como a divulgação das perseguições e das barbáries cometidas. (SOARES, 2013, p. 392).

2.2 A cumplicidade entre militares e empresários

Em 2011 o Secretário de Justiça do Brasil informou que a Comissão da Verdade deveria investigar as empresas privadas que financiaram a ditadura brasileira. Muitos juristas aderiram ao movimento argumentando que era possível a responsabilização das mesmas pelas barbáries e sérias violações aos direitos humanos cometidas no período em questão (BOHOLASVISKY, 2011, p. 70, 71).

Renomados juristas afirmam haver base legal para a responsabilização das empresas privadas pelas atrocidades causadas pela ditadura, entretanto, há de se ter claro, que o objetivo não visa apenas a responsabilização dos atores privados, o que deve ser deixado para segundo plano, pois afirmam que o principal objetivo da Comissão da Verdade é investigar as mortes, os desaparecimentos e a prática de tortura (BOHOLASVISKY, 2011, p. 70, 71).

O movimento em busca das verdades ocorridas no período ditatorial brasileiro vem ganhando cada vez mais adeptos, o que o torna um movimento sólido. O movimento cresceu ainda mais após o ano de 2011 em que foi criada a Comissão da Verdade, que busca investigar os crimes do regime militar, ainda baseia-se no apoio que a ditadura recebeu de empresas privadas gerando uma série de violações aos direitos humanos e reforçando o período ditatorial (BOHOLASVISKY, 2011, p. 70, 71).

Os quatro conjuntos de medidas mais recorrentes nos processos de justiça transicional são o esclarecimento da verdade, a reparação de vítimas, a reforma das instituições do sistema de segurança e a investigação e punição dos perpetradores. O Brasil está muito avançado nas reparações e tem conseguido dar conta de um número significativo de violações[…] (BOHOLASVISKY, 2011, p. 70, 71).

A busca pela responsabilização das empresas que financiaram a ditadura brasileira é um processo difícil e lento, entretanto, sabe-se que houve um grande número de violações graves aos direitos humanos, que as finanças podem estar relacionadas aos abusos praticados, sendo necessária uma interpretação sobre as estruturas, processos, dinâmicas de financiamento ocorridos no período ditatorial (BOHOLASVISKY, 2011, p. 71).

  1. A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS PRIVADAS NA DITADURA BRASILEIRA

3.1 A responsabilidade das empresas privadas

Segundo Payne, a história do envolvimento empresarial no golpe e na ditadura está longe de ser um segredo, entretanto, até o presente momento não houve muitas notícias e estudos sobre a participação das empresas no período ditatorial, demonstrando que há pouca atenção para um período triste e cruel da história brasileira (PAYNE, 2013, p. 261).

Foi por meio da Comissão Nacional da Verdade que o Brasil começou a pesquisar sobre a relação entre militares e empresários e entender que o exército não agia sozinho, pelo contrário, para se manter no poder era necessário um forte apoio de pessoas físicas/jurídicas com grande poder econômico (PAYNE, 2013, p. 261).

Ao reconhecer que os militares não agiram sozinhos, mas que as forças da sociedade civil participaram apoiando o golpe e a ditadura, a coleta de informações sobre a verdade foi estendida além do setor público para o que agora é chamado de “ditadura civil-militar”, ou, de um modo mais específico, “ditadura empresarial-militar” (PAYNE, 2013, p. 261).

A Comissão Nacional da Verdade criou uma força tarefa para estabelecer a responsabilidade institucional pela conduta empresarial durante o golpe e a ditadura, demonstrando dessa forma, que o Brasil passou por um gole civil-militar e não somente um golpe militar (PAYNE, 2013, p. 261).

Houve uma série de investigações que revelaram as cumplicidades empresárias na ditadura brasileira. As investigações demonstraram que a ditadura e o golpe se mantiveram ativamente em virtude dos financiamentos, legais e ilegais, realizados por inúmeras empresas privadas (PAYNE, 2013, p. 262).

Ainda, há de se ter claro que é necessária uma reparação das empresas privadas como uma solução pela cumplicidade entre empresas e militares. Ainda, é possível perceber que os processos criminais não se mostram eficazes para trazer justiça pelas violações práticas contra os direitos humanos, demonstrando que ações civis obtiveram mais avanços (PAYNE, 2013, p. 291).

3.2 Os empresários e o apoio à ditadura

Com o funcionamento da Comissão Nacional da Verdade e Comissões da Verdade locais muitas informações sobre o apoio de empresas privadas à Ditadura Militar brasileira foram descobertas, existem informações que demonstram que a ditadura foi apoiada por grandes empresários e até mesmo por pequenos comerciantes, houve doações em dinheiro, empréstimos de veículos e até mesmo de espaços particulares, ainda foi fornecidos por empresários alimentação aos agentes do Estado, bem com outras diversas formas de cooperação (SOARES, 2013, p. 407).

Existe uma linha investigativa para demonstrar o apoio que os empresários forneciam à Ditadura, nas investigações há registros de envolvidos como Banco Itaú, Lojas Americanas, Cia. Suzano de Papel e Celulose, Brahma, Coca-Cola, Kibon, Souza Cruz, Globo. Alguns empresários, além de ajuda financeira e outras colaborações, gostavam de visitar os espaços de tortura para visualizar os equipamentos, importados por eles, sendo utilizados (SOARES, 2013, p. 407).

As Comissões da Verdade, tanto a Nacional como Comissões locais, também apuraram que a repressão adotava alguns circuitos para o deslocamento dos presos para que no trajeto pudessem ser torturados ou até mesmo escondidos em diferentes locais durante o período da detenção (SOARES, 2013, p. 409).

Com todas as investigações realizadas até o presente momento, muitas através da Comissão Nacional da Verdade, é possível afirmar que os recursos que mantiveram a ditadura militar brasileira por tantos anos, bem como foram culpadas por todas as barbáries cometidas, chegavam do setor privado, de empresas de grande e pequeno porte, componentes civis da repressão (SOARES, 2013, p. 409).

A manutenção de centros de repressão e tortura, muitas vezes clandestinos, exigia recursos materiais e financeiros, que eram disponibilizados por pessoas ligadas à prisão dos opositores, ou seja, empresários que se beneficiavam com a prisão dos mesmos. Frisa-se que a cooperação não era restrita a ajuda financeira, mas muitas vezes de formas a ajudar e manter os ditadores no poder (SOARES, 2013, p. 410).

 

CONCLUSÃO

 

Embora a punição criminal dos perpetradores seja fundamental para o sentimento de justiça, a compreensão de outras formas de responsabilização é viável. Há de se ter claro que dentre as barreiras ao acesso à justiça para responsabilização das empresas nos casos da ditadura estão relacionados: custo, morosidade da justiça, desconhecimento de direitos, ausência de escritórios de advocacia especializados, falta de cultura de precedentes. A implementação de medidas de justiça, quer criminais, quer civis, é certamente uma das tarefas mais desafiadoras, mas é, também, uma ferramenta enriquecedora que pode fomentar potencialmente a responsabilização pela justiça transicional de forma geral.

Cabe salientar que a aliança entre militares e civis envolveu intelectuais, empresas nacionais e multinacionais, imprensa nacional, bem como as três forças armadas e as diversas polícias, além de grupos paramilitares e de direita, agindo de modo ilegítimo e às escondidas. Frisa-se que atualmente se dá uma atenção mais ampla as atrocidades cometidas na ditadura militar brasileira, bem como nota-se que a comunidade internacional percebeu a necessidade de tratar sobre a responsabilização das empresas e grupos pelas violações aos direitos humanos.

Portanto com o presente estudo pode-se perceber que é de extrema importância uma reparação por parte das empresas privadas como uma solução pela cumplicidade entre empresas e militares. Ainda, ficou claro que os processos criminais não se mostram eficazes para trazer justiça pelas violações práticas contra os direitos humanos, demonstrando que ações civis obtiveram mais avanços.

 

BIBLIOGRAFIA

 

BOHOLASVISKY, Juan Pablo; TORELLY, Marcelo D. A Cumplicidade Financeira na Ditadura Brasileira: Implicações Atuais. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, v. 6, p. 70-117, jul./dez. 2011.

PAYNE, Leigh A. Cumplicidade Empresarial na Ditadura Brasileira. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, v.10, p. 260-297, jul./dez. 2013.

SOARES, Inês Virgínia Prado; FECHER, Viviane. Empresas Privadas e Violações de Direitos Humanos: Possibilidades de Responsabilização pela Cumplicidade com a Ditadura no Brasil Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, v.10, p. 390-431, jul./dez. 2013.

[1] Mestranda em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG

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