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Justiça de transição: breves apontamentos sobre a justiça de transição no Brasil

Davi Silveira *

 

Resumo: O caso Gomes Lund e Outros vs Brasil, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, na qual concluiu pela responsabilidade do Estado brasileiro nos desaparecimentos forçados (1972 – 1975) ao tempo dos governos militares e pela necessidade de ter uma persecução criminal. Passados algum tempo da condenação ainda repercute em nossa sociedade e no direito questões que envolvem o caso. Dessa forma, se tem por finalidade com o presente artigo, analisar alguns aspectos que envolvem a justiça de transição, como seus elementos e seus possíveis reflexos na sociedade.

 

Palavras-chave: Ditadura Militar. Guerrilha do Araguaia. Justiça de transição. Responsabilidade do Estado.

 

Abstract: The case of Gomes Lund and Others v. Brazil, judged by the Inter-American Court of Human Rights, in which he concluded the Brazilian State’s responsibility for forced disappearances (1972-1975) at the time of the military governments and for the need to pursue criminal prosecution. Past time of the conviction still reverberates in our society and in the law issues surrounding the case. Thus, if the purpose of this article is to analyze some aspects that involve transitional justice, as its elements and its possible reflections in society.

 

Sumário: Introdução. 1.     Breves considerações. 2. Justiça de transição. Conclusão. Referências Bibliográficas

INTRODUÇÃO

O nacionalismo surge durante o século XIX, mas não é o único movimento de massas que surge. O Nacionalismo, o comunismo e o socialismo foi uma reação explicita frente as limitações dos direitos individuais constitucionalmente estruturados. O nacionalismo passou nesse período por duas fases, indo da autodeterminação e um protecionismo mais defensivo sobre a identidade étnica. (HUNT, 2009, p. 197 198)

No século XX, surge uma onda de antissemitismo, que se legitimava por um determinado saber científico, o qual se expandiu e foi vinculado com um rumor de conspiração judaica, a qual assumiria o poder político na Europa. Com um saldo de 14 milhões de mortos, a Primeira Guerra Mundial, uma guerra imperialista, acabou em 1918 e no ano seguinte foi criada a Liga das Nações. Ela não conseguiu impedir o surgimento do fascismo e do nazismo. A Segunda Guerra Mundial deixou um saldo de 60 milhões de mortos. Em 1945, surgiu, em São Francisco, a ONU. Em 10 de dezembro de 1948 foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. (HUNT, 2009, p. 202 – 205)

Na década de 60 ao final da década de 80, na América Latina foi marcada por diversos governos ditatoriais, de 1955-1958, 1966-1973 e 1976-1983 na Argentina; de 1964-1985 no Brasil; na Bolívia de 1971-1985; de 1973-1990 no Chile; na Colômbia em 1953-1957; Equador de 1972-1979; Paraguai em 1954-1989; Suriname 1980-1988; e de 1973-1985 no Uruguai (GOGGIOLA, 2001, p.11 apud FERREIRA; LOPEZ; SHULZ, 2017, p.21).  Essas experiências com governos autoritários foram marcadas por graves violações de Direitos Humanos, deixando questões que ainda estão latentes em nossa sociedade.

Neste sentido, o caso da Guerrilha do Araguaia no Brasil, onde o Exército brasileiro realizou operações no sentido de erradicar a Guerrilha, que resultou no desaparecimento forçado de pelo menos 70 pessoas, entre eles estavam integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e pessoas da região.

Com o presente estudo busca-se averiguar alguns dos aspectos que envolvem a justiça de transição, composta por pelo menos quatro elementos: a) o direito à memória e à verdade; b) as reformas institucionais; c) as reparações simbólicas e financeiras; e d) a responsabilização por atos praticados no período autoritário (MEZAROBBA, 2009, p.116).

Possuindo como problema da pesquisa, analisar de que maneira se tem promovido a justiça de transição. Para tanto, se analisa o caso da “Guerrilha do Araguaia” ocorrido entre os anos de 1972 e 1975, que resultou no desaparecimento forçado de 70 pessoas.

O artigo foi divido em três partes. A primeira faz breves considerações a respeito do que envolve o tema. Posteriormente faz apontamentos na direção do que seria a justiça de transição e a forma em que se dá no Brasil.

  1. Breves considerações

No Brasil, o período de governança militar foi, durante os anos de 1964 a 1985, sendo marcado por violações aos direitos humanos e pela consequente abertura à democracia. O ponto em comum entre os regimes autoritário na América do Sul, neste período, é a governança por militares na justificativa em exterminar a ameaça comunista.

Guerrilha do Araguaia

Neste sentido, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) enfrentou o Exército brasileiro na região do Araguaia, ponto distribuído entre os estados do Pará, Tocantins e Maranhão. Os militares realizaram três campanhas para conseguir derrotar a Guerrilha, tendo mobilizado um efetivo significativo para derrotar dezenas de militantes. Percorreu-se um longo caminho desde as mortes dos guerrilheiros até o momento em que o partido (PCdoB) admitir suas mortes. Parte pelo impacto que geraria admitir a derrota, ou pelas incertezas do que havia acontecido com os militantes, se eles haviam sido presos ou mortos, mas foi somente em 1976 que o PCdoB admitiu ter ocorrido uma derrota. (SALES, 2007, p. 341)

Caso Gomes Lund e Outros vs Brasil

O caso da Guerrilha do Araguaia ficou esquecido, tanto durante o regime militar, quanto após o retorno à democracia. A omissão do Estado brasileiro em investigar o caso e punir os responsáveis por eventuais crimes que tenham cometido, teve notoriedade quando movimentos da sociedade civil peticionaram requerendo a condenação do Estado frente ao descaso para com o massacre.

“Em 26 de março de 2009, em conformidade com o disposto nos artigos 51 e 61 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Comissão Interamericana” ou “Comissão”) submeteu à Corte uma demanda contra a República Federativa do Brasil (doravante “o Estado”, “Brasil” ou “a União”), que se originou na petição apresentada, em 7 de agosto de 1995, pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia (doravante também denominada “Guerrilha”) e seus familiares.(…)” (CORTE IDH, 2010, p. 3)

Desse modo, se aborda no presente artigo, de maneira abrangente, sobre o tema da justiça de transição, e as medidas que foram tomadas após a condenação do Brasil no caso já mencionado.

  1. Justiça de transição

Os conjuntos de medidas mais comuns adotadas no processo de justiça transicional são quatro, o esclarecimento da verdade, a reparação de vítimas, a reforma das instituições do sistema de segurança e a investigação e a punição dos perpetrados (BOHOLASVISKY, 2011, p. 71). Pode-se extrair o que consiste tais elementos da decisão do caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs Brasil, vejamos:

  1. a) o direito à memória e à verdade;

“Quanto à criação de uma Comissão da Verdade, a Corte considera que se trata de um mecanismo importante, entre outros aspectos, para cumprir a obrigação do Estado de garantir o direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. Com efeito, o estabelecimento de uma Comissão da Verdade, dependendo do objeto, do procedimento, da estrutura e da finalidade de seu mandato, pode contribuir para a construção e preservação da memória histórica, o esclarecimento de fatos e a determinação de responsabilidades institucionais, sociais e políticas em determinados períodos históricos de uma sociedade. Por isso, o Tribunal valora a iniciativa de criação da Comissão Nacional da Verdade e exorta o Estado a implementá-la, em conformidade com critérios de independência, idoneidade e transparência na seleção de seus membros, assim como a dotá-la de recursos e atribuições que lhe possibilitem cumprir eficazmente com seu mandato. A Corte julga pertinente, no entanto, destacar que as atividades e informações que, eventualmente, recolha essa Comissão, não substituem a obrigação do Estado de estabelecer a verdade e assegurar a determinação judicial de responsabilidades individuais, através dos processos judiciais penais. ” (CORTE IDH, 2010, p. 106-107)

  1. b) as reformas institucionais;

Tal elemento é o único em que o texto da decisão não faz menção expressa. Assim como os demais elementos, é de suma importância para a justiça de transição. Devendo se ater, principalmente, aos órgãos que praticaram os atos violentos, o que geralmente requer a reforma das instituições das Forças Armadas, polícias e unidades de inteligência.

  1. c) as reparações simbólicas e financeiras;

312. Conforme já mencionou a Corte em oportunidades anteriores, as custas e gastos estão compreendidos no conceito de reparação, consagrado no artigo 63.1 da Convenção Americana. ”. (CORTE IDH, 2010, p. 111)

No que se refere o artigo do Pacto de São José da Costa Rica[1]:

“Artigo 63

  1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as conseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada. ” (CIDH, 1969)

  1. d) a responsabilização por atos praticados no período autoritário:

“143. A antiga Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas reconheceu que exigir responsabilidade dos autores de violações graves dos direitos humanos é um dos elementos essenciais de toda reparação eficaz para as vítimas e “um fator fundamental para garantir um sistema de justiça justo e equitativo e, em definitivo, promover uma reconciliação e uma estabilidade justas em todas as sociedades, inclusive nas que se encontram em situação de conflito ou pós-conflito, e pertinente no contexto dos processos de transição”.” (CORTE IDH, 2010, p. 53)

A justiça de transição parece estar pautada em três pilares: verdade, justiça e reparação. Podemos perceber que o objetivo maior é o da não repetição, sendo as medidas transnacionais formas de prevenir o surgimento de novos regimes autoritários.

 

Conclusão

Com o presente artigo percebemos que alguns temores parecem sempre voltarem, ao menos para justificar governos mais autoritários. O medo que o comunismo retorno a assombrar nossa sociedade, parece dar “carta branca” para que os governantes façam o que quiser e sem prestarem conta.

O julgamento pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH do caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs Brasil, vinculou setores da sociedade civil e públicos se mostrando um importante instrumento no combate aos resquícios deixados pelo governo ditatorial e na consolidação da justiça de transição.

Nota-se a importância em ainda discutir tal temática pois grande parte da população não compreende a necessidade de haver todos os principais elementos da justiça de transição consolidados na sociedade. Certamente é um dos motivos que nos levam novamente a governos nacionalista e mais autoritários.

 

Referências bibliográficas

BOHOLASVISKY, Juan Pablo; TORELLY, Marcelo D. A Cumplicidade Financeira na Ditadura Brasileira: Implicações Atuais. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, v. 6, p. 70-117, jul./dez. 2011.

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 08 de dez. de 2018.

CORTE IDH. Caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 07 dez. 2018.

FERREIRA, Luciano Vaz; LOPEZ, Jahde de Almeida ; SCHULZ, Vinicios Novelli . A Securtização Político-Econômica na América do Sul e Seus Reflexos na Argentina Durante o Regime Militar (1976-1983). INTERAÇÃO, v. 8, p. 15-35, 2017.

FISS, Owen. A autonomia do Direito. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (coord.). Constituição e crise política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 57-70.

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

MEZAROBBA, Glenda. De que se fala, quando se diz “Justiça de Transição”?. BIB. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, v. 67, p. 111-122, 2009.

PAYNE, Leigh A. Cumplicidade Empresarial na Ditadura Brasileira. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, v.10, p. 260-297, jul./dez. 2013.

SALES, Jean Rodrigues. Entre o fechamento e a abertura: a trajetória do PC do B da guerrilha do Araguaia à Nova República (1974-1985). História, Franca, v. 26, n. 2, p. 340-365, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742007000200017&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 28 de nov.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-90742007000200017.

 

* Advogado, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.

[1] Aprovada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, realizada em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrando em vigor em 18 de julho de 1978. O Brasil ratificou a Convenção Americana em 25 de setembro de 1992.

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