Cida Mello Crônicas Terceira Idade

Aventuras no Motel

Aventuras no Motel

Aparecida Luzia de Mello*

O Motel Clube do Brasil, que anteriormente chamava-se Motel Clube de Minas Gerais, foi uma empresa do setor de turismo nos anos 60/80. As pessoas compravam títulos familiares, pagavam uma taxa de manutenção mensal e tinham o direito de fazer reservas em hotéis de propriedade da empresa ou em hotéis conveniados.

É certo que houve outras modalidades de atendimento ao cliente, mas durante o período em que ela trabalhou lá, era assim.   

No período de férias compreendido entre dezembro e fevereiro, mês de julho e feriados prolongados era um verdadeiro “Deus nos acuda”. Ah, maio e setembro também era complicado, já que havia muitos casamentos e, portanto a tradicional “lua de mel”. No resto do ano, os associados conseguiam hospedagem com certa facilidade.

As diárias incluíam o pernoite, café da manhã, almoço e jantar nos hotéis da rede e só pernoite e café da manhã nos conveniados.

Durante o ano, no dia agendado para começar a fazer as reservas do período de férias, a fila começava a se formar na véspera, em frente à porta do prédio e às vezes saia até tapa entre os associados, na disputa de vagas nos melhores hotéis. Exatamente como se vê hoje nestas promoções malucas de lojas populares, na compra de ingressos dos encerramentos de campeonatos de futebol e shows de astros nacionais e internacionais.

Ela trabalhava justamente no setor de reservas e presenciou diversos episódios pitorescos de clientes que tentavam burlar as regras estabelecidas pela empresa, que na época por moralismo ou interesses (hoje acredita que havia interesse em vender mais títulos) estipulava que um título só daria direito ao pai, mãe e filhos até 18 anos. Nada de sogro, sogra, irmãos, cunhados, namorados, amigos, vizinhos ou qualquer situação que fugisse do padrão, ou seja, os direitos eram apenas para a família nuclear.

Os agregados se quisessem viajar, só mesmo comprando outro título. Ah, e todos os familiares tinham que ficar no mesmo quarto ou apartamento, porque cada título dava direito a somente um aposento.

Os chamados quartos não tinham banheiro privativo, enquanto que o apartamento gozava deste luxo. Se os pais quisessem privacidade, ou seja, desfrutar de dois quartos ou apartamentos, só comprando mais um título.

Também era proibido emprestar o título, pois ele era nominal. A pessoa recebia um “diploma” escrito – Título de Sócio Proprietário – com seu nome em letras elaboradas por um calígrafo especialmente contratado para este fim.

Alguns associados emolduravam o “diploma” e penduravam na sala de TÃO bonito que era. Além disto, era emitida a carteirinha plástica de sócio proprietário, com foto 3×4 do associado e de seus respectivos dependentes. Tudo pago a parte, claro.

         O salão onde se fazia as reservas de viagens era enorme, com bancos longos de madeira e muitos guichês para atendimento ao público. Havia dias que lembrava uma agência do INSS.

Certo dia um rapaz, depois de horas de espera, ao chegar sua vez, apresentou-se a frente do guichê em que ela fazia o atendimento e pediu uma reserva para Salvador. Ela prontamente consultou o mapa de reservas, que na época era manual, porque ainda não existia a tecnologia atual, confirmou a disponibilidade e pediu então os documentos para preparar o cupom de viagem.

         Quando ele entregou a carteirinha de sócio proprietário, a foto ali estampada era de um senhor de mais ou menos 50 anos, completamente calvo na parte de cima da cabeça, tendo apenas a tradicional coroinha de cabelos em volta, além de ser gordinho, mas o rapaz a sua frente era jovem, tinha aproximadamente 30 anos, era cabeludo e mais magro, portanto não condizia com a foto.

Ela pensou, concluiu que se tratava de mais um “espertinho” e resolveu falar delicadamente que ele não tinha direito a reserva com a carteirinha do pai, que o título familiar só dava direito aos filhos até 18 anos, portanto para viajar ele precisaria comprar um título em seu nome. O que poderia ser feito ali mesmo, naquela hora, já que sempre havia um vendedor de plantão.  

O rapaz de pronto informou que aquele título era seu. Ela sorriu e fazendo-se de desentendida, mostrou a carteirinha dizendo que aquela foto não era a dele. Sugeriu que talvez ele tivesse trocado o documento, pelo do pai, sem perceber. Propôs, excepcionalmente, que deixaria a reserva feita até que ele fosse buscar seus documentos em casa e assim poderia efetivar o processo.

O rapaz voltou a insistir que aquele título era seu.  Ela mostrou a carteirinha novamente e apontou a foto dizendo que não era não! No começo o tom de voz era baixinho e gentil, mas em dado momento o cochicho dos dois acabou virando discussão.

é! não é!

É! Não é!

É! NÃO É!

É! NÃO É!…

Até que ela perdeu as estribeiras com o oportunista que queria usar o título do pai em benefício próprio e disse:

-: o homem da foto é CARECA! Tem mais ou menos 50 anos e é gordinho! E o senhor é cabeludo, tem mais ou menos 30 anos e é pelo menos 10 quilos mais magro!

Ele, num ato de revolta, levantou-se da cadeira e no meio do salão, levou a mão à cabeça e gritou para todos ouvirem:

-: você é mesmo burra! Burra e cega! Não vê que eu estou usando peruca!

Arrancou o apetrecho da cabeça, jogou-o no chão e começou a pisotear num verdadeiro ataque de fúria.

Ela arregalou os olhos e extasiada se deu conta de que em segundos aquele homem envelhecera 20 anos, engordara uns 10 quilos e ficara careca!

Diante da gritaria a chefia de imediato apareceu.

O gerente sem saber o que se passava, mas tentando abafar o “barraco”, pegou o homem possesso pelo braço prometendo solução imediata para o problema, pediu-lhe calma, levou-o para dentro de sua sala, fechou a porta e ofereceu-lhe água gelada, café e biscoitinhos. Enquanto eles conversavam a peruca jazia no chão.

Ela prontamente catou a carteirinha do associado, fez o cupom de viagem para Salvador no melhor apartamento do hotel. Lépida recolheu a peruca pisoteada, colocou tudo num envelope “leva e traz” endereçado à gerência e entregou-a ao office-boy.

Voltou para o seu guichê. Ergueu a cabeça e séria disse:

-: o próximo, por favor!

* Advogada, Mestre em Políticas Sociais, Pós-Graduada em Gestão e Organização do 3º Setor, Psicogerontologia e Memórias. Palestrante, professora, dirige o PEEM Ponto de Encontro e Estudo da Maturidade, voluntária da 3ª Idade e Recanto do Idoso Nosso Lar.

Email: cidamell@uol.com.br 

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