Tom Coelho

Guerras e guerras

* por Tom Coelho

“Combater a si próprio é a mais dura das guerras,

vencer a si próprio é a mais bela das vitórias.”

(Friedrich von Logau)

Desde pequeno acostumei-me com a guerra.

Primeiro foi uma guerra para sair do conforto do ventre de minha mãe, onde eu tinha alimento e segurança, num dia que chamaram de parto e depois deram o nome, talvez só para me tapear, de aniversário.

Depois veio uma guerra particular bem interessante que consistia em ficar em pé e aprender a andar.

Lá pelos quatro anos de idade fui apresentado a um verdadeiro arsenal de guerra, formado por bisnagas de plástico, confetes e serpentinas, durante uma festa que atendia pelo nome de Carnaval. Eram guerras bem animadas!

Anos depois, viriam as guerras que guardo com mais carinho na memória. A guerra de almofadas que começava na sala e terminava como guerra de travesseiros no quarto. Foi uma época de desenvolvimento de táticas de guerrilha. Eu me entrincheirava atrás do sofá e espalhava sapatos e chinelos-mina pela sala e corredores.

Trocar a TV, o videogame e as brincadeiras com os colegas pelas tarefas escolares eram uma guerra e tanto. O mesmo para arrumar o quarto, tomar banho e ir dormir cedo.

Então veio uma série de outras guerras. Guerra para ser aceito pelo time de basquete do clube, mesmo sendo baixinho. Guerra para tirar boas notas e se destacar na escola. Guerra para entender as transformações que os hormônios provocavam no corpo. Guerra para criar coragem e convidar aquela garotinha para sair…

Mais alguns anos e as guerras foram tomando conotação mais séria. Guerra para passar no vestibular. Guerra para obter o diploma. Guerra para conseguir um emprego e, estando nele, aprender a aceitar a hierarquia, os conchavos nos corredores, as conspirações no hall do café, as armadilhas no elevador. Guerras corporativas engendradas por coronéis sem patente, travadas por soldados muitas vezes lançados a campo sem treinamento e provisões. Guerra contra a concorrência, sem interesse na diplomacia. Guerra contra a ineficiência, sem previsão de armistício. Guerra pelo consumidor, por sua preferência e fidelidade.

E, nesta toada, guerra para encontrar uma alma gêmea. Guerra para seduzi-la a casar-se e, depois, a separar-se. Guerra pela custódia dos filhos. Guerra para montar uma empresa, pagar salários, pagar impostos – e, de repente, ter que fechar a empresa. Guerra contra os juros do cheque especial.

Lendo os jornais observo o desenrolar de outros tipos de guerra. Guerra pela demarcação geográfica, guerra pelo petróleo, guerra pela autoridade. E, talvez, a pior de todas: a guerra em nome de Deus, a que chamaram de guerra santa, apenas para envolver de corpo e alma milhões de inocentes, jovens ou maduros, mas que na verdade atende aos mesmos preceitos de terra, dinheiro e poder de todas as guerras convencionais.

Hoje, já adulto, dei-me por conta de como nossas guerras vão perdendo significado real na medida em que nossas pernas crescem. As guerras migram do prazer para a ignorância, da pureza para a intolerância. Bilhões gastos para matar mais gente, quando poderiam amenizar a dor e o sofrimento, a fome e a miséria, de milhões espalhados pelo mundo. Muito dinheiro investido em produtos que não são desejados, em tecnologias que não serão usadas, em treinamentos que não proporcionam aprendizado, em confraternizações que não geram integração. Tudo porque as nações tratam as outras como países, isolando-se em torno de seus interesses. Tudo porque as empresas tratam seus colaboradores como móbiles, fertilizando o terreno para uma guerra civil ao não definirem seus valores, missão e ideais de forma compartilhada.

Olhamos para o lado e vemos a guerra para saber quem avançará primeiro o semáforo fechado, a guerra para determinar quem vencerá a licitação, a guerra contra o narcotráfico, a guerra pela sobrevivência. Nesta hora vemos que Darwin enganou-se, que a seleção não é natural porque a natureza quer, mas porque o homem assim o deseja.

Então, coloco-me diante de minha maior guerra pessoal: a de entender o porquê de as coisas serem assim. Compreender como fui me deixar convocar por este exército de insanos. E imaginar em qual ponto no espaço e em que momento no tempo desgarrei-me da criança que vivia e amava a guerra, como ela deveria ser.

* Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 17 países. É autor de “Somos Maus Amantes – Reflexões sobre carreira, liderança e comportamento” (Flor de Liz, 2011), “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional” (Saraiva, 2008) e coautor de outras cinco obras. Contatos através do e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite: www.tomcoelho.com.

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