Geografia

Paisagem e Geossistemas – Uma interface entre as geografias física e humana

PAISAGEM E GEOSSISTEMAS – UMA INTERFACE ENTRE AS GEOGRAFIAS FÍSICA E HUMANA

Valério Winter*

 

LANDSCAPE AND GEOSYSTEMS – AN INTERFACE BETWEEN PHYSICAL AND HUMAN GEOGRAPHIES

Resumo

Valério Winter – Geógrafo e Professor. Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópoliss. Doutorando em Geografia PPGEO UERJ. Geógrafo, INEA – RJ. Professor de Geografia licenciado.

O presente trabalho é parte de nossa pesquisa de doutorado realizada junto ao Laboratório de Pesquisa em História Ambiental da UERJ. Nosso objetivo é a busca de um caminho para utilização da metodologia dos geossistemas como método de estudo cultural da paisagem. Trata-se de uma revisão bibliográfica sobre concepção e método de estudo da paisagem na Geografia. Buscamos na Geografia Cultural o entendimento do conceito de paisagem. Encerramos propondo o método GTP – Geossistema, Território e Paisagem – (Bertrand; Bertrand 2002) como forma de aproximação entre as Geografias Física e Humana.

Palavras chave: Paisagem, Geografia, Geossistema, Método, Cultura

Abstract

This paper is part of our PhD research carried out at the UERJ Environmental History Research Laboratory. Our objective is the search for a way to use the methodology of geosystems as a method of cultural study of the landscape. This is a bibliographical review on the design and method of studying the landscape in Geography. We seek in Cultural Geography the understanding of the landscape. We ended by proposing the GTP method – Geosystem, Territory and Landscape – (Bertrand; Bertrand 2002) as a way of approaching the Physical and Human Geographies.

Keywords: Landscape – Geography – Geosystem – Method – Culture

 

Introdução

Seria o método empregado pela teoria dos geossistemas compatível com um estudo cultural da paisagem?

Para responder essa questão realizamos pesquisa bibliográfica e dialogamos com autores que defendem a utilização da teoria sistêmica em estudos sócio ambientais.

O Artigo foi estruturado da seguinte forma: Iniciamos apresentando o conceito de paisagem na Geografia. Em seguida discorremos sobre a utilização da abordagem geossistêmica no estudo da paisagem.

O conceito de Paisagem na Geografia

Muito mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação interna, uma “impressão”, que une todos os elementos (DARDEL, 2015 p.30)

Em “O Homem e a Terra: a natureza da realidade geográfica”, Eric Dardel entende a Geografia como sendo a ciência da relação entre o indivíduo e a superfície terrestre, seria a “geograficidade”, uma relação visceral que implica na existência e destino do indivíduo (DARDEL, 2015, p.1). Dardel afirma que “muito mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, a paisagem é um conjunto, uma convergência, um momento vivido, uma ligação interna, uma impressão, que une todos elementos” (IDEM, p.2). A paisagem é o reflexo das sociedades humanas no espaço, comporta marcas gravadas pela vivência. Existe porque existem homens, a paisagem é o resultado visível do mundo humano.

Paisagem é um conceito complexo, ambivalente, o tema “paisagem” é abordado por uma enorme variedade de campos de estudo: Geografia, História Ambiental, Arquitetura, Ecologia, Cinema e Literatura, (YI-FU TUAN, 1993) e por ser demasiado amplo o uso do termo extrapolou a área de atuação desses saberes, tornou-se polissêmico. Amplitude e polissemia denotam complexidade, e é por causa e a partir dessa complexidade que a paisagem foi estudada na Geografia.

Corrêa e Rosendahl alertam que a paisagem é um conceito fundamental para os geógrafos. Conceito que ao mesmo tempo pode unificar diferentes correntes do pensamento e conferir identidade à disciplina. No entanto, ao longo da história da Geografia, a importância da paisagem tem sido relegada a um segundo plano. Em alguns momentos ela foi superada pelo interesse na região, em outras pelo território, durante anos pelo espaço e em muitos sentidos confundida e substituída pelo lugar. (CORRÊA; ROSENDAHL, 1998 p.7).

Para Cosgrove o geógrafo deveria “lançar luz” sobre o conhecimento geográfico a fim de demonstrar que a Geografia existe para ser apreciada, sua crítica é que os geógrafos fazem da Geografia um conhecimento “obscuro e enfadonho”, ao invés de “aumentar o prazer”, afastam sentimentos, banindo as “paixões” e “motivações que influenciam nosso comportamento diário” (COSGROVE, 1998 p. 96). Sua proposta envolve utilizar no estudo da paisagem as mesmas ferramentas utilizadas por críticos e demais estudiosos para analisar um romance, filme ou pintura, a paisagem seria mais uma das expressões humanas cheia de diferentes significados, a Geografia em Cosgrove é basicamente ciência social, e em sendo “ciência” está repleta de inquietações e crítica social.

Linda Mc Dowell entendeu a paisagem como a junção entre as formas resultantes das interações materiais com olhar humano que lhe dá significado, já Dardel aprofunda e humaniza o debate e estabelece a paisagem como a representação da inserção do homem no mundo, a base de seu ser social. Em movimento oposto Bertrand percebe a paisagem como resultado da dialética entre elementos físicos, biológicos e antrópicos, tornando-a um conjunto em eterna evolução. Milton Santos distingue paisagem e espaço, segundo o autor a paisagem seria apenas uma parte do todo definido como espaço geográfico, ela seria a parte visível do espaço, uma foto estática de um filme (espaço) este sim recheado de vida, conflitos e transgressões (BRITO; FERREIRA, 2011, p. 8 e 9).

Para Claval, (1997), o poder da paisagem de atrair o olhar e a atenção decorre do fato de que elas são basicamente suportes de representações, os homens deixam suas marcas na paisagem, seja como monumentos, inscrições, construções ou transformações.

As diferentes abordagens e interpretações sobre o que é paisagem, podem oferecer alternativas e até mesmo serem complementares, no entanto ainda persistem grandes diferenças de interpretação entre as Geografias Física e Humana. Enquanto a Geografia Física entende a paisagem a partir de uma perspectiva sistêmica a Geografia Humana utiliza uma abordagem interpretativa.

O estudo da paisagem é complexo e deve ser realizado de forma multidisciplinar, Dardel defende que a paisagem deve ser vivida e entendida e não só interpretada intelectualmente, “a paisagem não é, em sua essência, feita para se olhar, mas a inserção do homem no mundo, lugar de um combate pela vida, manifestação de seu ser com os outros, base de seu ser social” (DARDEL 1990, p. 32).

A Busca por um Método de Estudo

Para Alves–Mazzoti, (2002), uma característica principal da abordagem qualitativa é a diversidade de métodos, o que facilita ao pesquisador aprofundar-se no objeto de estudo, e também cruzar informações com objetos correlatos o que proporciona uma gama maior de possibilidades e novas questões que devem surgir no decorrer do trabalho. Mas a diversidade de métodos de pesquisa em pesquisas qualitativas nos levou a uma nova pergunta. Qual método utilizar em um estudo da paisagem?

A busca por um método a ser utilizado é sempre um processo de sofrimento, sua escolha pressupõe a adesão a um modelo ideológico e diferentes formas de construção do conhecimento geográfico, no entanto já no planejamento da pesquisa nos deparamos com situações em que diferentes métodos poderiam ser facilmente utilizados, para George, (1972 p.8), “a geografia tem que ser metodologicamente heterogênea”. Edgar Morin, alerta que, “O método só pode se construir durante a pesquisa; ele só pode emanar e se formular depois, no momento em que o termo transforma-se em um novo ponto de partida, desta vez dotado de método” (MORIN, 2005 p. 36), mas devemos evitar o que seria a utilização de métodos ideologicamente conflitantes oriundos de uma diversificação exagerada de métodos empregados.

Oliveira Filho, observa que a diversidade de método pode levar o pesquisador a um “ecletismo metodológico”, definido pelo autor como: “uma patologia metodológica que pode ser definida pelo uso de conceitos fora de seus respectivos esquemas conceituais e sistemas teóricos, alterando seus significados” (Oliveira Filho, 1995 p. 263), o que comprometeria o estudo e seus resultados. Como contraponto o autor levanta a tese do “pluralismo metodológico”, que, diferente do primeiro, seria a utilização de dois ou mais métodos no caso de um único não dar sustentação ao trabalho, ele os divide em “pluralismo interno”, reducionista e tendendo a incompatibilidade entre as ciências e “pluralismo externo”, em suas palavras, o pluralismo externo evitaria “os perigos do ecletismo metodológico pela incorporação crítica de novas contribuições a uma postura teórica e metodológica inicial (…), que determinará os caminhos, decisões e apostas intelectuais” (Oliveira Filho, 1995 p. 268)

Em “O método: a natureza da natureza”, Morin (2005) propõe uma análise sistêmica para os fenômenos da natureza. Para o autor os elementos não devem ser analisados isoladamente, o pesquisador deve estar sempre atento à complexidade da natureza buscando e percebendo as interrelações presentes entre os aspectos físicos, econômicos, culturais, sociais, históricos, etc.

Chorley, (1973), em seu estudo de como a teoria dos geossistemas poderia estabelecer ligações entre as geografias humana e física concluiu que a abordagem sistêmica deveria incorporar as atividades humanas e perspectivas voltadas para análises das interações entre os homens e o meio físico, dessa forma o “humano” seria percebido mais como agente antrópico do que social desconsiderando conflitos e processos socialmente excludentes.

Tendo em vista a complexidade existente na dinâmica das paisagens, Georges Bertrand propôs uma forma de estudo em um sistema tripolar, o GTP – Geossistema, Território e Paisagem. Geossistema – para os autores “fonte” ou perspectiva naturalista; Território – “recurso” ou perspectiva socioeconômica; Paisagem – “identidade” ou perspectiva sociocultural. A paisagem vai além dos elementos visíveis e inclui construções culturais e econômicas, a paisagem contém o território. (Bertrand;Bertrand, 2002 p.299)

Considerações Finais

Na geografia atual é possível entender e conceituar a paisagem de várias formas: região, território, lugar, uma pluralidade conceitual que transforma seu estudo em um grande desafio. Para a Geografia Física que por muito tempo enfocou os ambientes naturais como um sistema separado da sociedade o estudo da paisagem trás o homem para o contexto com todas as suas nuances e particularidades, mas, no meu entender o maior desafio ainda encontra-se na Geografia Cultural que já a algum tempo percebe a paisagem por meio de abordagens conotativas, recheadas de subjetividades humanas e particularidades culturais que tornam-se ainda mais complexas no mundo moderno.

O estudo da paisagem pode ser uma ferramenta de aproximação entre as Geografias Física e Cultural, o pesquisador ao analisar as transformações no ambiente por meio da observação das mudanças ocorridas na paisagem estará construindo uma teoria de apropriação cultural, visualizando processos sócio históricos, descortinando experiências econômicas como também desvendando fatores físicos que agem no local.

O método GTP – Geossistema, Território e Paisagem, conforme definido por Bertrand & Bertrand (2002) e já mencionado nesse artigo, além de preservar a complexidade e a diversidade do ambiente e superar a separação entre homem e natureza, serve também para detectar os problemas existentes e os graus da ação antrópica sobre os mesmos, o que possibilita a elaboração de estratégias de contenção, reversão ou amortização dos impactos existentes.

O GTP pode ser utilizado pelo pesquisador geógrafo como instrumento para revelar as bases, a reprodução e transformação estrutural da sociedade e seu relacionamento com o meio físico, o que remonta as ideias de Humboldt, a natureza como um sistema, uma rede em que tudo está interligado, sendo este o objeto principal da Geografia, a relação Homem/Natureza.

 

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* Geógrafo e Professor. Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis. Doutorando em Geografia PPGEO UERJ. Geógrafo, INEA – RJ. Professor de Geografia licenciado.

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