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Alfabetização e letramento: um olhar sobre a prática docente no contexto amazônico

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA DOCENTE NO CONTEXTO AMAZÔNICO

Maria Isabel Alonso Alves*

Rozane Alonso Alves**

Simone Alves Scaramuzza***

Maria Isabel Alonso -Mestra em Educação do PPGE (UNIR). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia – GPEA e GEAL – Grupo de Estudos Integrados sobre a Aquisição da Linguagem. E-mail: mialonso@hotmail.com

RESUMO: O texto é resultado do projeto de extensão: Alfabetizando em contextos amazônicos e intervenção de aprendizagens em escola pública de Humaitá-AM, realizado no âmbito da Universidade Federal do Amazonas – UFAM/PROEXTI. Visou investigar as dificuldades de aprendizagens mais comuns no processo de alfabetização inicial e realizou intervenção pedagógica por meio de atividades práticas de alfabetização. Os materiais didáticos utilizados foram produzidos mediante os apontamentos teóricos voltados para alfabetização com base em Piaget e Emília Ferreiro.

Palavras- Chave: Alfabetização, Dificuldades de Aprendizagem, Prática Docente, Intervenção Didática.

INTRODUÇÃO

Este texto é fruto da experiência realizada durante o projeto de extensão Alfabetizando em contextos amazônicos realizado no âmbito da Universidade Federal do Amazonas – UFAM/PROEXTI. O projeto atendeu estudantes do ensino fundamental de uma escola pública de Humaitá visando investigar as dificuldades de aprendizagens mais comuns no processo de alfabetização inicial dos alunos e posteriormente a intervenção pedagógica por meio de atividades práticas de alfabetização, utilizando como fundamento teórico, as ideias difundidas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky.

Rozane Alonso Alves -Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação – GPEA. Email: rozanealonso@gmail.com

O município de Humaitá/AM está localizado no interior do Amazonas, pertencente à região Sul do Estado. Às margens do Rio Madeira, possui aproximadamente uma população de 44. 227 habitantes (IBGE, 2010). Vale ressaltar que o IBGE faz o levantamento oficial de dez em dez anos, portanto são nove anos em que os dados mostrados foram divulgados oficialmente, considera-se em estimativa para 2018 que a população é de 54.001[1].

O censo escolar realizado em 2014, por meio dos indicadores de fluxo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), mostra que a cada 100 (cem) alunos matriculados no Ensino Fundamental (EF), 12 (doze) não foram aprovados[2]. Dos dados apresentados pelos indicadores do IDEB mostram que em 2014 no município de Humaitá, dos alunos matriculados no 3º ano EF 97,1% tiveram aprovação, sendo que deste montante de alunos matriculados 2,9% ficaram retidos. No 4º ano a taxa de reprovação subiu para 3,3% e no 5º ano a porcentagem aumentou para 4,8% sendo que, ainda no 5º ano teve o agravante de abandono/evasão escolar de 1,5%.

A metodologia do projeto se deu pela abordagem qualitativa, possibilitando a utilização de dados sobre valores, hábitos, crenças e comportamento das crianças atendidas pelo projeto. E de acordo com Ludke e André (2013) busca formular hipóteses, abstrações e visa a descoberta de novos conceitos, relações e atendimentos da realidade.

A observação, realizada durante todo o projeto utilizou-se dos seguintes questionamentos: quais as dificuldades mais comuns no processo de alfabetização? Quais mecanismos e soluções usadas pelos docentes para sanar o problema? Que pressuposto teórico orienta a prática alfabetizadora do docente? Quais materiais adotados para o processo de alfabetização?

OS DESAFIOS DE ALFABETIZAR

Ensinar as crianças a ler, escrever e a se expressar de maneira competente é o grande desafio dos professores. Ao observamos a realidade social vemos as novas demandas e necessidades que não são acompanhadas pelos métodos e conteúdos tradicionais da escola, o que acabam dificultando o processo de aprendizagem da linguagem escrita. Para Ferreiro (1991, p. 9),

Tradicionalmente, a alfabetização inicial é considerada em função da relação entre o método utilizado e o estado de “maturidade” ou de “prontidão” da criança. Os dois pólos do processo de aprendizagem (quem ensina e quem aprende) têm sido caracterizados sem que leve em conta o terceiro elemento da relação: a natureza do objeto de conhecimento envolvendo esta aprendizagem.

Simone Alves Scaramuzza É Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia, Campus de Ji-Paraná, e-mail: simonescaramuzza23@gmail.com

A abordagem desenvolvida por Emília Ferreiro considera o nível de desenvolvimento cognitivo da criança para assim refletir sobre a elaboração do pensamento e sua expressão linguística. Aos alunos que foram atendidos pelo projeto possuem entre 7 e 8 anos de idade e de acordo com os estudos de Piaget (1967) estão na fase do pensamento operatório concreto e necessitam de materiais concretos para relacionar pensamento e linguagem. Os professores, neste sentido, possuem uma grande responsabilidade, pois a escolha do método para realizar o processo de alfabetização deve considerar esse fator como um dos primordiais na alfabetização.

Cagliari (1998) também acredita que o melhor método para um professor deve vir de sua experiência e deve ser baseado em conhecimentos sólidos e profundos do conteúdo que leciona e que o fato de não haver um método preestabelecido para o processo de alfabetização não significa que o ensino seguirá navegando à deriva. Um professor, profundo conhecedor da disciplina que leciona, possui um jeito particular de ensinar e isso é fundamental para o processo educativo de cada aluno.

Entendemos, com base nos autores acima citados, que não há uma fórmula pronta para alfabetizar, o professor desde os primeiros contatos com o aluno terá ideias claras a respeito do que se espera destes alunos e a partir daí trabalharão juntos com perseverança e calma porque, segundo Cagliari (1998, p. 110) “a aprendizagem não tem dia marcado para acontecer”.

Franco (2005) também orienta que a investigação sobre a pratica educativa deve contemplar a realização de pesquisa em ambientes onde ocorram as próprias praticas; a criação de compromissos com a formação e o desenvolvimento de procedimentos crítico reflexivo sobre a realidade visando a apreensão dos significados construídos e em construção, a fim de superar as condições de alienação e o desenvolvimento cultural dos sujeitos da ação.

RESULTADOS

Os alunos que fizeram parte do projeto possuem entre 7 e 8 anos, devendo estar conforme os estudos de Piaget (1967) no nível de desenvolvimento operatório concreto. Nesta fase a criança começa a lidar com conceitos como os números e relações, passa a manifestar-se de modo mais evidente o que ajustasse com o início da escolarização formal, caracteriza-se por uma lógica interna consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos. A linguagem se torna mais socializada e a criança será capaz de levar em conta o ponto de vista do outro. Inicia-se a capacidade da criança estabelecer relações que permitam a coordenação de pontos de vistas diferentes e de cooperar com os outros.

O diagnóstico realizado com as crianças nos mostrou o grau de dificuldade de cada uma delas, após esse procedimento verificamos crianças que não reconhecem as letras do alfabeto fora da ordem, três não sabiam escrever seus nomes ou mesmo copiar os textos do quadro, fator que os desmotiva e impulsiona o desinteresse pela escrita e pela escola. Para tentar sanar o problema utilizamos com base nos estudos de Piaget (1967) práticas pedagógicas que facilitassem a aprendizagem das crianças. Utilizando como recursos a música, gêneros textuais diversos, atividades impressas e interpretação de histórias, vimos uma pequena evolução. A utilização de recursos diferentes no processo de alfabetização ajudou os alunos mais acanhados a interagir com os colegas de turma.

Apresentamos algumas das atividades propostas e executadas em sala de aula com os alunos: Recepção e apresentação do projeto, alfabeto móvel; Formar palavras e separação de silabas e jogos pedagógicos; Texto e interpretação, escrever com letra cursiva e impressa, cruzadinha; Texto e interpretação, vídeo do alfabeto e associar imagens com as palavras; Ditado colorido, juntando as sílabas e escreva as palavras e construindo palavras; Frases enigmáticas, procurando palavras e texto, a invenção do abraço e em seguida socialização; Texto, atividade de advinha, juntando as silabas e formando palavras e Vídeo sobre higiene pessoal e socialização em seguida e filme com o encerramento do projeto.

O Programa Curricular de Extensão (PACE) Alfabetizando em Contextos Amazônicos buscou de início fazer um diagnóstico de conhecimentos prévios dos alunos. Em uma conversa não formal, foi perguntado aos alunos: Alguém já foi em uma festa de aniversário? O que tinha na festa? A finalidade dos questionamentos era a de compreender o que os alunos já conheciam da língua escrita através de uma língua oral e escrita.

Os resultados surpreenderam. Muitos se encontravam ainda na hipótese silábica de Emília Ferreiro, que é a tentativa de estabelecer correlação entre fala e escrita. Apesar de serem alunos do segundo ano do ensino fundamental, alguns ainda em fase da garatuja, representavam a escrita através de tracejados. Outros obtinham a escrita por meio de desenhos e uma minoria já concebia palavras básicas.

A preocupação em dizer “eu não sei escrever professora!” é um fator que interfere na observação do diagnóstico. Os alunos estavam desmotivados, cansados e preocupados no fazer certo. A apreensão era a do poder produzir aquilo que GONTIJO (2003) denomina de grafocentrismo, produzir textos, desenhos, gravuras sempre com a inquietação de que “não se sabe escrever”. As interferências realizadas foram resultadas de tentativas, já que se tratava de uma prática inédita. O atuante principal na mediação dos conhecimentos da escrita, tende a compreender os usos sociais da língua oral e associá-los através dos usos dos significados, proporcionando uma aprendizagem histórica e significativa.

A criança, no começo de sua aprendizagem ao invés da escrita, utiliza os símbolos para sua memorização, portanto “A alfabetização escolar é um processo multideterminado, ou seja, o seu desenvolvimento depende da contribuição de diversas áreas do conhecimento, entre as quais se destacam a linguística e a psicologia” (GONTIJO, 2003, p. XII). Cabe ressaltar, que é necessário fazer o uso dos objetos da língua, pois esta já é nativa de seu desenvolvimento linguístico, na execução de suas atividades.

O cotidiano dos alunos foi levado em conta. A comunicação é um método primordial no desempenho das metodologias de um modo mais sólido possível, o diálogo não deve ser excluído dos métodos. A impossibilidade de aplicar apenas uma metodologia é inerente no decorrer dessas aplicações, para que se obtenha a apropriação da língua escrita é preciso que façamos concreta a ação social da comunicação que possibilita um plano de transição subjetiva, ou seja, a aprendizagem de uma nova língua surge, quando o ensino está de acordo com os objetivos sociais do aluno.

O simples questionamento “o que você quer ser quando crescer” é uma forma de instigar o aluno intrinsecamente a querer aprender. É através das conversas que são desenvolvidas as metodologias, proporcionando um resultado mínimo, mas satisfatório quanto ao desenvolvimento semiótico dos alunos e as atribuições nas aprendizagens e os significados reformulados subjetivamente.

Nossa observação da prática docente nos mostrou que os professores daquela escola pública utiliza-se de poucos recursos materiais concretos, sendo que esses recursos, muitas vezes estão limitados ao livro didático ou cartilha. Fator que desconsidera o nível de desenvolvimento cognitivo dos alunos e a necessidade de uso de material concreto durante o processo de aquisição da linguagem escrita. O pouco ou nenhum uso desses recursos dificultam ainda mais o processo de alfabetização dos alunos provenientes de uma realidade social e cultural pouco letrada. No estado do Amazonas o último censo havia em todo estado 367 mil pessoas analfabetas (13,1%). Em 2012 o percentual caiu para 11,5%. Ou seja, ainda havia 384 mil pessoas com mais de cinco anos de idade a serem alfabetizadas em todo estado.

 Analisando os dados disponibilizados pelo IBGE (2012) relacionados aos analfabetos pela idade, percebe-se que a grande maioria concentra-se nas crianças de 5 a 7 anos de idade, o que segundo a pesquisa reflete a deficiência ou inexistência da pré-escola, fator que agrava ainda mais o processo de alfabetização quando essas crianças ingressarem no primeiro ano do primeiro ciclo. Vemos assim, que os problemas do atraso na alfabetização não decorrem apenas do uso de recursos didáticos e metodológicos utilizados pelos professores em sala de aula. O problema é muito maior e proveniente de uma cultura política e social, de atraso e desvalorização da cultura letrada e do acesso a uma escola de qualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas observações e investigação realizada verificamos no processo de aquisição da linguagem escrita dos alunos problemas, o qual tentamos sanar utilizando matérias concretos e recursos didáticos diversos. Os resultados foram positivos, vimos ao longo da aplicação do projeto uma evolução gradual na alfabetização dos alunos, além do aumento do interesse e a perda da timidez e vergonha ao se expressar. Vimos a pouca utilização por parte dos docentes desses materiais e do pouco uso dos conhecimentos sobre o processo de aquisição da linguagem escrita da autora Emília Ferreiro e menos ainda dos níveis de desenvolvimento cognitivo de Piaget.

Poder intervir pedagogicamente utilizando não apenas recursos materiais diversos, mas associá-los a duas teorias importantíssimas, ajudou-me a apreender e relacionar teoria e prática. Questionar ainda mais o processo didático utilizado para a alfabetizar os alunos em meio a esta realidade que é tão diversa e particular e a pensar sobre novas formas de estimular os alunos a compreender a cultura letrada.

REFERÊNCIAS

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o ba-be-bi-bo-bu. Ed. Scipione. São Paulo. 1998.

FRANCO, Maria Amélia Santoro Franco. Pedagogia da pesquisa ação. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ep/article/view/27991 acesso ao site dia 13;07;2017.

FERREIRO, Emília. Com todas as letras. Editora Cortez. São Paulo. 1993.

LUDKE, Menga, ANDRÉ, Marli E.A.D. Pesquisa em educação: Abordagens qualitativas. 2. Ed. Rio de Janeiro. E. P .U, 2013.

PIAGET, J. Biologie et connaissance. Paris, Gallimard, 1967.

* Possui doutorado em Educação. Professora da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. mialonsoster@gmail.com

** Possui doutorado em Educação. Professora da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. rosanealonso@gmail.com

*** Possui mestrado em Educação. Supervisora Escolar da Rede Municipal de Educação de Ji-paraná – RO. simonescaramuzza23@gmail.com

[1] Informações a respeito da história de Humaitá no site: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/am/humaita/panorama. Acessado no dia 20 de mai de 2019.

[2] Fonte: censo escolar 2014. Inep. Disponível no site: www.qedu-org.br./cidade/280-humaitá/taxas-rendimentos. Acessado em 18 de jul. de 2016.

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