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Letramento Digital e as mudanças no processo de ensino/aprendizagem por meio das novas formas de comunicação

Raquel Carvalho Pinto Rezende*

Nara Rúbia Pereira**

Niltom Vieira Junior***

 

RESUMO

O presente trabalho procura compreender as grandes mudanças que as novas tecnologias da comunicação provocaram e vêm provocando nos processos de ensino/aprendizagem. Sendo assim, foi elaborado um estudo fundamentado no letramento digital de forma que fosse possível um melhor entendimento das novas práticas sociais e dos novos usos da linguagem na sociedade.

Palavras-chave: Novas tecnologias da comunicação. Letramento digital. Novas formas de escrita. Práticas de ensino/aprendizagem.

ABSTRACT

 This study seeks to understand the major changes that the new communication technologies have caused and continue causing to the teaching/learning processes. Then, an analysis based on new written formats and digital literacy was necessary, so that it was possible a better understanding of new social practices and new uses of language in society.

Keywords: New communication technologies. Digital literacy. New written formats. Practices in teaching/learning. 

 

 

Introdução

Raquel Carvalho Pinto Rezende

A apropriação das novas tecnologias digitais nas práticas educativas não está relacionada apenas ao uso de determinados equipamentos e produtos tecnológicos, mas também à significativa importância que esses equipamentos exercem sobre a concepção do professor em sua prática docente, sobre a educação e sobre o reconhecimento de todo esse processo. Com todas essas inovações, faz-se necessário repensar as práticas comportamentais, tanto de professores quanto dos alunos. É preciso lembrar que existem aqueles professores que ainda resistem à utilização de recursos tecnológicos em suas práticas docentes.

Uma das grandes vantagens que os novos recursos tecnológicos e a internet propiciaram foi, sem dúvida, um maior acesso à informação, maior agilidade neste processo e, também, a possibilidade de diminuir gradativamente os problemas relacionados ao tempo e ao espaço, que muitas vezes são grandes dificultadores no processo ensino/aprendizagem. Dessa forma, os novos recursos tecnológicos passam a contribuir efetivamente para a modificação do cenário educacional: troca de papeis entre professor e aluno, o foco não está mais direcionado ao ensinar, mas sim no aprender e passa-se a priorizar mais o conhecimento que a informação. Enfim, inicia-se a chamada “educação libertadora” em que, de acordo com Paulo Freire (1987), a educação deixa de ser bancária e passa a ser libertadora.

As transformações educacionais vão acontecendo devido às grandes revoluções tecnológicas nos meios de comunicação que afetam diretamente a geração de alunos que conseguem, na atualidade, “navegar” com facilidade pela internet e, mais importante, são capazes de interpretar informações com mais facilidade, cabendo ao professor ser o mediador nos processos de ensino/aprendizagem.

Sabendo que o principal papel da escola é a formação de cidadãos capazes de atender às novas exigências do mundo do trabalho, faz-se necessário repensar a definição de políticas públicas para que a escola possa garantir a democratização e a apropriação das novas ferramentas em uma perspectiva crítica. Enfim, é preciso que a escola saiba inserir, em seu contexto, as novas tecnologias, observando sempre os seguintes critérios: processo de democratização e acesso às novas tecnologias; formação de professores e alunos para uso das novas ferramentas e formas de utilização dessas novas tecnologias para fins educativos. (SANTOS, 2005)

Nara Rúbia Pereira

Contudo, o que percebemos na prática é uma certa defasagem quanto as estratégias e políticas públicas para a área, uma vez que nem sempre os investimentos correspondem às reais necessidades das escolas brasileiras no que se refere aos aparelhos tecnológicos, à infraestrutura e, principalmente, a formação de profissionais para o uso das novas tecnologias.

Apesar disso, sabe-se que essas novas tecnologias vêm desempenhando grande papel no cotidiano dos alunos que estão inseridos nas escolas brasileiras. E vale lembrar que o letramento está diretamente ligado às vivências do estudante com o meio no qual ela vive.  Dessa forma, o aluno, que tem grande acesso aos aparelhos celulares, computadores, tablets, entre outros suportes eletrônicos, está ampliando sua capacidade de comunicação e de acesso ao mundo letrado.

Nesse sentido, as novas tecnologias colaboram para a alteração de hábitos relacionados às práticas de escrita e de comunicação e, consequentemente, para o surgimento de novos gêneros textuais na sociedade, levando à criação do denominado “letramento digital”.

Compreendendo o letramento digital

Na sociedade atual, em que a modalidade escrita da língua prevalece, as escolas vêm priorizando a alfabetização e o letramento de seus alunos. Importante lembrarmos aqui que a alfabetização baseia-se no processo de decodificação dos sinais gráficos do idioma apenas. Já o letramento é uma prática cultural que permite ao indivíduo participar efetivamente das tradições, hábitos e costumes da comunidade da qual reside, quando consegue ir além dos códigos para fazer inferências e compreender uma mensagem que lhe é apresentada. (SOARES apud TFOUNI, 2002, p. 144).

O letramento digital vai além do simples letramento, porque nesse caso não basta interpretar, é preciso que o autor/leitor interaja com o texto de forma que haja uma intervenção nas práticas de leitura e escrita que ocorrem nos meios de comunicação eletrônicos. Portanto, o letramento digital está baseado na condição que o indivíduo tem de ler e escrever os códigos e sinais, verbais e não verbais (como imagens e desenhos, por exemplo), presentes nos veículos de comunicação.

Niltom Vieira Junior

Além disso, o letramento digital é considerado como um estado ou condição que o indivíduo adquire quando se apropria da nova tecnologia digital e passa a exercer práticas de leitura e de escrita na tela, e não somente no papel. Segundo Ramal (2002, p. 84):

Estamos chegando à forma de leitura e de escrita mais próxima do nosso próprio esquema mental: assim como pensamos em hipertexto, sem limites para a imaginação a cada novo sentido dado a uma palavra, também navegamos nas múltiplas vias que o novo texto nos abre, não mais em páginas, mas em dimensões superpostas que se interpenetram e que podemos compor e recompor a cada leitura (RAMAL, 2002, p. 84).

Para a autora, os processos cognitivos inerentes a esse letramento digital reaproximam o ser humano de seus esquemas mentais. Portanto, podemos concluir que a tela, quando utilizada para leitura e escrita, traz consigo não somente novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novos conhecimentos, novas maneiras de ler e escrever, enfim um novo letramento, ou seja, um novo estado, uma nova condição para aqueles que praticam a leitura e escrita na tela.

Dessa forma, a tela se torna um meio dominante em que o visual é o que prevalece, a lógica da espacialidade é o que determina a organização dos elementos e, portanto, a tela passa a ser dominada pela lógica da imagem. Diferente da tela, a lógica da escrita dava forma ao livro e às suas páginas, como uma lógica da temporalidade, onde palavras, sentenças e parágrafos eram organizados um após o outro, numa sequência temporal.

Práticas pedagógicas: adaptações necessárias

Com a chegada das novas tecnologias, tanto no meio social como na sala de aula, as crianças e jovens se deparam, desde o nascimento, com um novo mundo de grandes transformações. No entanto, o professor, como mediador do processo ensino/aprendizagem, deve ser um conhecedor dessa evolução tecnológica para que se tenha conhecimento do que deve ser feito em sala de aula de forma que essas transformações sejam bem aproveitadas pelos alunos.

Nesse sentido, os professores precisam de preparo adequado ao novo sistema e de estarem em constante formação, pois não adianta impor o uso das tecnologias se o profissional não estiver apto a lidar com elas ao ponto de transmitir conhecimento aos alunos. E é exatamente essa a preocupação de vários autores quando afirmam que o uso das tecnologias na escola só é conveniente se for bem aplicada pelo professor e se houver interação entre as partes. Nesse sentido,

O sucesso do uso do computador como uma tecnologia que pode favorecer a expansão da inteligência depende da forma como ocorre a relação entre o usuário e as informações contidas no programa por ele utilizado. Quanto mais interativa for essa relação, maiores serão as possibilidades de enriquecer as condições de elaboração do saber. Este é um dos principais argumentos para justificar a importância do estudo da interatividade no contexto da inserção dos computadores na educação escolar. (PAIS, 2005, p. 144)

É através da relação de interatividade, tanto de professores bem como dos alunos, que a aplicação das novas tecnologias nas salas de aula auxiliará no processo de ensino/aprendizagem. Espera-se que a tecnologia na área educacional tome uma amplitude ainda maior para que sejam desenvolvidas novas formas de ensinar e de aprender, contudo sempre regidos pelos princípios da diversidade e da integração, para que nenhum investimento se perca.

Para tanto, é preciso que as novas tecnologias sejam trabalhadas de forma interativa, levando o aluno a compreender sobre o mundo natural e cultural em que vive. É preciso que eles tenham informações sobre o mundo e a história de sua natureza, da sua cultura, levando-os a se posicionarem e expressarem de modo significativo. Ou seja: “… É preciso reconhecer que quero me comunicar, que quero trocar informações com alguém e que, nesta troca, vou me transformar, vou aprender”. (KENSKI, 1996, p.135)

Enfim, é preciso uma ação conjunta para que os alunos sejam preparados para serem capazes de desenvolver sua capacidade reflexiva e crítica e, ainda, ter o discernimento de transformar a informação em conhecimento.

Para exemplificar esse fenômeno, analisou-se o comportamento de uma turma de 20 alunos do 6º ano do Ensino fundamental comparando-se as escritas digital e manual e a síntese de tais resultados são mostrados a seguir.

Uma análise de campo

Neste experimento realizado em uma escola pública municipal da cidade de Contagem MG, foi possível verificar que, apesar do grande domínio das redes virtuais e da escrita digital, 100% dos alunos conseguem fazer distinção entre as formas de escrita e conseguem desenvolver bem na escrita manual, seguindo as normas da gramática conforme são exigidas nas escolas.

Quando questionados em um aplicativo sobre aulas on line em conjunto com as aulas presenciais nas escolas, as respostas desses alunos foram dadas sem formalidades, com abreviações, fizeram uso de emoticons, foram dadas respostas curtas, objetivas e algumas em tom de ironia, o que demonstra um forte grau de intimidade e descontração entre os participantes.

Figura 1: Print screen exemplificando uma resposta do questionário online (foto: autoria própria)

Podemos observar o uso de nn para representar a palavra NÃO. A palavra AQUELES foi substituída por aqles. Foi criado o verbo negoçar para se referir à forma correta de se escrever à mão para não errarem as normas gramaticais de escrita. Foi utilizada a ironia quando foram dadas resposta como “ desgasta menos a mão” e “ não ter que ir na aula”.

Já o texto escrito a mão, no qual os mesmos alunos preencheram o formulário da pesquisa, por sua vez foi respondido com formalidades, seguindo as normas gramaticais, sem abreviações, foram dadas respostas mais prolongadas com justificativas mais detalhadas, com tom de seriedade e demonstrando um certo distanciamento entre os interlocutores ( professor x aluno).

Figura 2: Questionário respondido à mão pela aluna Laura Rezende (foto: autoria própria)

Podemos observar fortemente o uso de frases completas, seguindo as normas cultas da escrita, o que demonstra a capacidade dos alunos de saberem a forma “correta” de se escrever e como escrever dependendo do veículo ao qual se comunica.

Dessa forma, tem-se evidências de que a criança que tem grande acesso aos aparelhos celulares, computadores, tablets, entre outros suportes eletrônicos, está ampliando sua capacidade de comunicação e de acesso ao mundo letrado.

É nesse sentido, que podemos concluir que as novas tecnologias podem colaborar para a alteração de hábitos relacionados às práticas de escrita e de comunicação e, consequentemente, para o surgimento de novos gêneros textuais na sociedade, o que amplia a capacidade de comunicação e de acesso ao mundo letrado às nossas crianças, levando à criação do denominado “letramento digital”.

Após realização da pesquisa, é possível constatar que os textos produzidos em formato digital, apesar de estarem recheados de abreviações e imagens, não diminuem (por si só) a qualidade produtiva do aluno, uma vez que é possível avaliar, mesmo no texto digitado, se o aluno foi coeso e coerente e se utilizou as características do gênero textual exigido. Nesse caso, o que muda é o suporte e não a função do texto. É de máxima importância que o aluno saiba se expressar verbalmente de forma coerente. Já o uso correto da ortografia dependerá do repertório de leitura e da prática textual do estudante, seja ela manual ou digital. Além do mais, mesmo que a ferramenta corrija os erros ortográficos, ainda não pode corrigir o conteúdo ou o tema trabalhado, que é um dos critérios de correção de maior peso cobrado nas redações de concursos e do Enem.

A escola precisa oferecer um leque de possibilidades para o aluno e um ambiente para que ele possa desenvolver o maior número de habilidades possíveis e escolher, de acordo com suas necessidades, qual delas utilizar. Abolir a letra cursiva do currículo é limitar as possibilidades do aluno, assim como insistir em utilizar somente uma escrita impede que ele domine outras formas. O importante é que o estudante possa praticar a escrita de diversos gêneros textuais e conheça suportes diferentes para o texto. Portanto, é dever da escola ensinar a escrita cursiva, assim como a utilizar as ferramentas digitais.

Considerações Finais

Diante de tudo que foi exposto, é possível concluir que a inserção das novas tecnologias da comunicação na educação necessita de novas práticas docentes, principalmente no que tange ao letramento digital e aos novos gêneros discursivos. É preciso repensar os processos de formação dos professores para garantir sua adequada integração às novas transformações do mundo contemporâneo. Nesse sentido, é fundamental que os futuros docentes estejam presentes em discussões sobre as novas tecnologias da comunicação para que sejam desenvolvidas suas habilidades e capacidades de acordo com a demanda da sociedade atual.

É preciso, ainda, que o professor entenda que computador deve ser trabalhado como uma ferramenta de aprendizagem, como um aliado no processo ensino-aprendizagem, e não como uma máquina de ensinar, o que ocorre devido à falta de conhecimento do professor acerca da importância da utilização desse recurso didático em sala de aula. Sendo assim, faz-se necessário amenizar a distância que existe entre a escola e as mídias educativas de forma que possa acontecer um trabalho reflexivo, investigativo e criativo no meio escolar.

Portanto, torna-se necessário uma aproximação do professor com as novas tecnologias da comunicação para que ele possa familiarizar e tomar ciência de suas potencialidades na criação de novos saberes e novos usos. Não é preciso que os professores abandonem os antigos recursos em suas práticas educativas. É preciso, sim, que o professor entenda das especificidades de cada recurso, seja ele tecnológico ou não, velho ou novo, para que se alcance os resultados almejados na introdução de um determinado conteúdo curricular em sala de aula.

O que foi observado também em relação à atualidade é a crescente demanda do uso dessas mídias digitais entre as crianças e os jovens e é nesse sentido que a escola deve aproveitar essas competências comunicativas para transformá-los em bons produtores de gêneros textuais, seja em sala de aula ou seja no mundo real, seja no texto escrito ou seja no texto digitado.

Enfim, quando o computador e os demais suportes tecnológicos de comunicação forem inseridos nas práticas educativas, consequentemente, serão inseridos também os novos gêneros textuais com suas estruturas e seus funcionamentos. Isso ocorrerá devido à nossa língua não ser uniforme em todos os suportes em que é usada, uma vez que o gênero determina a variedade linguística a ser empregada em uma determinada situação e em um determinado suporte de escrita entre dois ou mais interlocutores. Esse fato permitirá um avanço nos estudos da língua como lugar de interação humana, levando-nos à consolidação do letramento digital na sala de aula. É nesse momento que o processo de ensino/aprendizagem por meio das tecnologias da comunicação serão eficazes na formação de indivíduos letrados, com habilidades e competências de leitura e escrita em qualquer gênero textual, seja ele virtual ou não.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1987.

KENSKI, Vani Moreira. O Ensino e os recursos didáticos em uma sociedade cheia de tecnologias. In VEIGA, Ilma P. Alencastro (org). Didática: o Ensino e suas relações. Campinas, SP: Papirus, 1996.

PAIS, Luiz Carlos. Educação Escolar e as tecnologias da informática. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

RAMAL, Andréa Cecília. Ler e Escrever na cultura digital. Disponível em: http://www.revistaconecta.com/destaque/edicao04.htm. Acesso em 17 de fevereiro de 2019.

SANTOS, Iracy de Souza. As novas tecnologias na educação e seus reflexos na escola e no mundo do trabalho. São Luís: UFMA, 2005. Disponível em: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIII/html/Trabalhos2/Iracy_de_Sousa_Santos.pdf. Acesso em: 11 dez. 2019.

SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade: Revista de Ciência e Educação, Campinas, v.23, p.143-160, dez./2002.

*Aluna do curso de Pós-Graduação em Docência pelo IFMG Arcos – raquelcdimagem@yahoo.com.br

** Aluna do curso de Pós-Graduação em Docência pelo IFMG Arcos – nara.rpe@gmail.com

*** Docente do curso de Pós-Graduação em Docência pelo IFMG Arcos – niltom.vieira@ifmg.edu.br

 

 

Como citar esse artigo:

REZENDE, Raquel C. P.; PEREIRA, Nara R.; JUNIOR, Niltom V. Letramento Digital e as mudanças no processo de ensino/aprendizagem por meio das novas formas de comunicação. Revista P@rtes. ISSN 1678-8419.

 

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