Educação

O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA APRENDIZAGEM DE CRIANÇAS COM TDAH

O USO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA APRENDIZAGEM DE CRIANÇAS COM TDAH


THE USE OF DIGITAL INFORMATION AND COMMUNICATION TECHNOLOGIES IN THE LEARNING OF CHILDREN WITH ADHD

Jacqueline Augusta de Almeida*
Stéphanie de Oliveira Moreira**
Joice Stella de Melo Rocha***

Resumo:  Através de uma pesquisa bibliográfica, este artigo tem como principal objeto de análise o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) no processo de ensino-aprendizagem de crianças diagnosticadas com o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), transtorno neurobiológico caracterizado pela inquietação, impulsividade e hiperatividade. As TDICs mostram-se promissoras ao serem aplicadas como instrumento pedagógico capaz de romper com metodologias tradicionais, impulsionando o fazer pedagógico de modo inovador e mais democrático.

Palavras-chave: Educação, Cultura Digital, TDAH, TDICs.

Abstract:  Through bibliographical research, this article’s main object of analysis is the use of Digital Information and Communication Technologies (DICTs) in the teaching-learning process of children with Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD), a characteristic neurobiological disorder by restlessness, impulsiveness and hyperactivity. TDICs show promise when applied as a pedagogical instrument capable of breaking with traditional methodologies, boosting pedagogical practice in an innovative and more democratic way.

Keywords: Education, Digital Culture, ADHD, DICTs.

1. Introdução

“O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento encontrado nos genes que codificam os sistemas que regulam a oferta de dopamina e serotonina” (BORELLA, 2002 apud MAIA e CONFORTIN, 2015). O transtorno afeta o comportamento de indivíduos a partir da infância e é, geralmente, percebido no início da fase escolar através de sintomas como impulsividade, desatenção, agitação e falta de organização para executar tarefas do cotidiano. Esta compreensão nos leva a concluir o latente prejuízo no desempenho escolar e nas relações sociais uma vez que o TDAH incide nas capacidades de organização, comunicação e expressão dos indivíduos.

Considerando os preceitos da Educação Inclusiva[1] e o respeito à singularidade de cada pessoa, é fundamental que o educador e todo o sistema educacional sejam aliados do educando com TDAH. Buscar estratégias e recursos que possibilitem o ensino-aprendizagem e minimizem o prejuízo ao desenvolvimento é uma premissa fundamental. Neste sentido, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação apresentam-se como uma significativa alternativa a ser explorada. Elas representam recursos essenciais para a aprendizagem, sendo inclusive o seu uso reconhecido pela Base Nacional Curricular Comum (BRASIL, 2018) como uma das competências gerais[2] da Educação Básica.

Estudos como o de Ferronato (2015), Gubert e Castelli (2019), Santos e Minuzzi (2019) apresentam evidências favoráveis à inclusão das TDICs no processo de aprendizagem de crianças com TDAH. Ferronato (2015, p.39) sugere “o jogo de xadrez como ferramenta de apoio, assim como outros jogos de estratégia que trabalhem o raciocínio lógico”.  Já Gubert e Castelli (2019, p.8) indicam “o uso de jogos pedagógicos digitais aliados ao conteúdo, jogos de relaxamento individual ou em grupo”.

No entanto, é pertinente aprofundarmos nossa atenção sobre as reais possibilidades do uso das TDICs na aprendizagem de educandos diagnosticados com TDAH a fim de termos um repertório de ferramentas que auxiliem no ensino-aprendizagem, beneficiando não somente o educando, mas também o educador.

Tendo em vista estas questões, o objeto de pesquisa é analisar como as TDICs podem contribuir para melhorar a aprendizagem de crianças diagnosticadas com TDAH considerando as seguintes especificidades: a) examinar estudos de caso ou pesquisas existentes que abordam o uso das TDICs na educação de educandos com TDAH; b) identificar as melhores estratégias para a implementação eficaz das TDICs no contexto da aprendizagem de educando com TDAH; c) contribuir para a disseminação de novas metodologias para o processo de ensino e aprendizagem.

Classificada como uma pesquisa bibliográfica, “desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002, p.44), partimos do levantamento de informações sobre o TDAH, a fim de compreender suas definições, características e implicações no processo de ensino-aprendizagem. Posteriormente, analisaremos estudos e pesquisas que apresentam possibilidades de utilização das TDICs e como elas podem colaborar para a aprendizagem de crianças diagnosticadas com esse transtorno.

O presente artigo está organizado em tópicos: 1) a definição e compreensão do TDAH; 2) apresentação das contribuições das TDICs para a educação; 3) apresentação de estudos e pesquisas sobre o uso das TDICs na educação de crianças diagnosticadas com TDAH; 4) apresentação das conclusões e sugestões para futuras pesquisas.

2.  Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade

O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento que, geralmente, se manifesta na infância antes do ingresso na escola e pode persistir na fase adulta. De acordo com a American Psychiatric Association (2014), caracteriza-se pela frequente desatenção, hiperatividade e impulsividade, causando prejuízos na vida pessoal, social, acadêmica e profissional. Para exemplificar, dificuldade de permanecer em uma mesma tarefa, inquietação e intromissão social são alguns dos sintomas desse transtorno.

Geralmente, as primeiras pessoas a perceberem os sintomas na criança são os pais e educadores. Quando encaminhadas para os profissionais especializados, o diagnóstico clínico é definido quando há persistência dos sintomas por pelo menos seis meses e evidências claras de prejuízos no funcionamento e desenvolvimento.

Estima-se que o transtorno “ocorre na maioria das culturas em cerca de 5% das crianças e 2,5% dos adultos” (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p.61). Essa informação revela a importância do diagnóstico correto, pois a presença de um ou mais sintomas não é suficiente para confirmar o transtorno. O uso de medicamentos para alergias, problemas de visão ou audição, alimentação precária, estresse familiar e até mesmo o ambiente escolar podem interferir no comportamento da criança ou adolescente, fazendo com que ocorra a presente desatenção, inquietude e dificuldades de aprendizagem (SMITH; STRICK, 2007). Por essa razão, é importante procurar os profissionais especializados para realizar uma avaliação minuciosa dos sintomas e evitar diagnósticos equivocados.

Todavia, por ser um transtorno que não apresenta sinais físicos ou cerebrais, o correto diagnóstico pode ser dado com certa dificuldade pelos especialistas.

“O principal é fazer um minucioso histórico clínico e desenvolvimental que contenha dados recolhidos de professores, pais e adultos que exerçam alguma interação com a criança avaliada, um levantamento do funcionamento intelectual, social, emocional e escolar e exames médicos de, geralmente, neuropediatras, tal qual testes psicológicos e/ou neurológicos que a criança realizou nos últimos tempos.” (MACHADO; CEZAR, 2008 apud BRANDÃO; DAMASCENO; SILVA, 2002, p.4).

Considerando os sintomas do TDAH, observam-se consequências para a aprendizagem das crianças diagnosticadas, como dificuldades na alfabetização, letramento e matemática. Uma situação que resulta em um baixo rendimento escolar, seguido de insegurança, baixa autoestima, ansiedade e depressão, problemas e sentimentos os quais afetam a saúde mental e o bem-estar daqueles que precisam lidar com estigmas, julgamentos e, muitas vezes, a não aceitação dos pais ou responsáveis.

É exatamente na escola onde as especificidades do TDAH se tornam perceptíveis, devido a um conjunto de tarefas cuja realização exige do educando maior concentração, o que é conflituoso para o educando diagnosticado, além de ser um espaço permeado por distrações, dado o elevado número de estudantes por sala.

Segundo Smith e Strick (2007),

“Embora seu comportamento possa não parecer seriamente diferente em casa ou no playground, elas são facilmente identificadas na sala de aula por sua incapacidade para sentarem-se quietas e manterem a concentração.” (SMITH; STRICK, 2007, p.26).

A educação tradicional espera que as crianças fiquem sentadas, quietas e atentas às explicações do educador, no entanto, essa imposição mostra-se um desafio para àquelas com TDAH, sendo facilmente rotuladas como “aluno problema” (FREITAS, 2011, p.15). A criança com esse transtorno não atende às expectativas desejadas pela escola e passa a ser um problema dentro de sala.

Sabe-se que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) tem por público-alvo educandos com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades ou superdotação, portanto o TDAH não é contemplado com a assistência e recursos ofertados por esse sistema. Entretanto, “estudos apontam que alunos com TDAH necessitam de um olhar particular, no aspecto educacional” (SANTOS; SOUZA, 2023, p.61).

Em virtude disso, devido à falta do suporte do AEE, o educador que leciona para um educando com TDAH enfrenta o desafio de estar sozinho e precisa buscar suas próprias estratégias e recursos para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem desse estudante. Além disso, vale ressaltar que a Lei 14.254/21 (BRASIL, 2021), segundo a qual “dispõe sobre o acompanhamento integral para educandos com dislexia ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ou outro transtorno de aprendizagem”, ainda é recente, porém traz mais esperança aos profissionais da educação.

3.  Contribuições das TDICs para a Educação

Ao mencionarmos o termo “tecnologia”, em diferentes espaços e contextos do presente, há um pensamento quase unânime, embora equivocado, para um significado voltado às tecnologias digitais e à contemporaneidade. Como se as criações fossem um domínio apenas da sociedade globalizada e do tempo presente. No entanto, há de se pensar de forma crítica a respeito da real definição do termo “tecnologia” para compreendermos que suas representações não pertencem apenas à atualidade, mas, antes de tudo, a grupos humanos, os quais, na busca por melhores modos de vida e possibilidades de domínio da natureza, produziam desde contextos remotos a tecnologia. “Ao conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade nós chamamos de “tecnologia”. (KENSKI, 2003, p.15)

Conforme Kenski (2003), não pertence somente à contemporaneidade o status de “era tecnológica”. Esta nomenclatura é inerente a todos os períodos nos quais o ser humano usufruiu de recursos da natureza para promover o seu bem-estar. Portanto, a produção tecnológica acompanha a humanidade desde o início da sua existência na Terra.

Hodiernamente, estamos vivendo um avanço da cultura digital com as chamadas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) e que, através dos meios de comunicação, estão possibilitando um intenso fluxo de informações, estreitamento de distâncias, democratização do acesso ao conhecimento, maior digitalização e armazenamento de dados, entre outras mudanças.

Para a educação, terreno propício a receber, a explorar, e a gerar bons frutos com as ferramentas digitais, as TDICs abrem novos caminhos e oportunidades. As escolas, portanto, devem usufruir dos avanços da mesma maneira, visando romper com metodologias que já não cumprem, há anos, o seu verdadeiro papel pedagógico e já não estão mais em consonância com as demandas e as transformações da atualidade.

De acordo com Júnior (2020, p.3), o sucesso obtido com o uso da tecnologia nas práticas pedagógicas depende, a priori, da qualidade da interação entre a tecnologia digital e o usuário, isto é, o professor, como mediador, tem a responsabilidade de construir pontes sólidas com as novas metodologias através de um preparo adequado e de uma formação ininterrupta em concordância com as demandas atuais. Mais ainda,

“Essas tecnologias não podem ser consideradas apenas como instrumento puro e simples, e sim como ferramentas que, em conjunto a mediação pedagógica, possibilitem a reflexão, a autonomia, a construção crítica, criativa e colaborativa”. (DOMINGUES et al., 2021, p.201).

Pesquisas mais aprofundadas foram efetuadas no sentido de investigar as reais contribuições das TDICs para a educação. O Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, ligado à Unesco, realizou, entre 2010 e 2013, a pesquisa Educação e Tecnologias no Brasil: um estudo de caso longitudinal sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação em 12 escolas públicas da rede municipal e estadual dos estados do Paraná, São Paulo e Pernambuco. A pesquisa apontou que um dos desafios é a dificuldade encontrada pelos professores para manusear os equipamentos e softwares. Além desta problemática, há, também, a resistência de muitos educadores em aplicar novas metodologias ao processo educativo, pois ainda estão permeados por uma cultura educacional tradicional. Para enfrentar estas barreiras, a pesquisa revela a importância de se ofertar aos futuros educadores uma formação inicial comprometida com as transformações da contemporaneidade e com a difusão da cultura digital.

Dessarte, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação oportunizam, assim como é fora dos muros da escola, significativas transformações na educação, proporcionando a alguns educandos acesso a computadores, notebooks, dispositivos móveis, Internet, aplicativos e plataformas digitais educacionais.

Mas de que forma as TDICs contribuem para o processo educativo? Primeiramente e tomando como base o conceito de mediação semiótica, enunciado por Vygotsky, e que tem em seu cerne os conceitos de instrumentos/tecnologia e signos, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação desempenham um papel primordial na mediação entre o indivíduo e o objeto, pois “O instrumento é provocador de mudanças externas, pois amplia a possibilidade de intervenção na natureza” (REGO, 1995, p.51). Os instrumentos facilitam as ações humanas e, portanto, as TDICs, enquanto ferramentas, são uma forma de viabilizar a aprendizagem dos educandos e transfigurá-la em conhecimento a partir da resolução de problemas práticos e da vida cotidiana. Da mesma maneira, os signos, pertencentes à esfera psicológica, servem como um complemento aos instrumentos, isto é, atuam na memorização, na atenção e na produção do conhecimento através da escrita ou da organização mental das informações obtidas pela tecnologia, por exemplo.

Em segundo lugar, as tecnologias digitais tendem a romper com o engessamento típico da pedagogia tradicional, caracterizada por etapas rígidas e iniciadas pela exposição de conteúdo, realizada pelos professores, absorção de informações pelos educandos e “comprovações” da aprendizagem através de testes e exercícios[3]. A esse processo, Freire denominou “concepção bancária” na qual,

“A educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem”. (FREIRE, 2018, p,34).

Em terceiro lugar, no ambiente digital os inúmeros arranjos, criações e possibilidades abrem caminho para espaços muito mais dinâmicos e interativos capazes de enxergar o educando como um sujeito autônomo, criativo, crítico e apto a construir seu próprio conhecimento. As ferramentas digitais extrapolam a sala de aula ao permitirem que o aluno esteja conectado e aprendendo conteúdos em qualquer lugar. Nesse sentido, o papel do professor mediador é imprescindível para que o aluno aprenda também fora da escola, com maior autonomia e senso crítico.

“É fundamental inserir as crianças em atividades que permitam um caminho que vai da imaginação à abstração de estratégias diversificadas de resolução dos problemas. O processo de criação está diretamente relacionado à imaginação[…]” (MORATORI, 2003, p.11). A criança, portanto, ao acionar, por meio das TDICs, processos criativos é permanentemente estimulada, motivada e passa a enxergar na aprendizagem uma experiência dotada de sentido para toda a sua vida.

4. TDICs na educação de crianças diagnosticadas com TDAH

A interseção entre a educação e o TDAH tem direcionado pesquisadores a explorar novas abordagens e ferramentas pedagógicas. Nesse sentido, as TDICs têm se destacado como um recurso valioso, oferecendo possibilidades para melhorar a aprendizagem e o desenvolvimento de educandos com déficit de atenção e hiperatividade, por meio de estímulos e motivações essenciais à aprendizagem do aluno com o Transtorno. Aqui, apresentamos um recorte de pesquisas recentes nessa temática.[4]

Ferronatto (2015) investigou o uso dos jogos digitais, especificamente o jogo de xadrez, como ferramenta de apoio para educandos de 11 a 14 anos com dificuldades de atenção e hiperatividade de uma escola municipal localizada no município de Carlos Barbosa, no Rio Grande do Sul.

“Como essas tecnologias exercem um fascínio principalmente nos jovens e crianças, a escola precisa usar desse fascínio a seu favor, principalmente quando estes recursos podem auxiliar aqueles alunos com déficit de atenção e hiperatividade. […] Os jogos digitais podem fazer a diferença dentro da esfera do conhecimento, pelo fato de serem atrativos animados e ainda conduzir à aprendizagem.” (FERRONATO, 2015, p.8).

A autora sugere que o jogo de xadrez e jogos de estratégia sejam utilizados para desenvolver a concentração, a memorização, o raciocínio lógico e o autocontrole, contribuindo, também, para o desempenho de educandos diagnosticados com TDAH.

 De cunho exploratório, a pesquisa contou com partidas presenciais e online e a aplicação, com intervalo de tempo, de dois questionários individuais com o objetivo de detectar traços de agitação, distração e hiperatividade.  O estudo revelou que a prática do jogo de xadrez trouxe benefícios aos estudantes, levando em consideração os fatores atenção, concentração e observação. Na modalidade de jogo de xadrez online, os educandos mantiveram-se atentos à leitura e à interpretação dos desafios propostos e a capacidade de concentração foi ainda mais exigida, devido ao tempo limite estabelecido. Os educandos também foram convocados a darem depoimentos relatando as mudanças observadas por eles desde o início do jogo presencial e online. Eles mencionaram a facilidade na memorização, maior concentração em sala de aula e melhor desempenho nas avaliações, principalmente àquelas que envolviam cálculos.

Para Ferronato (2015), portanto, as duas modalidades de jogo, presencial e online, devem ser utilizadas de maneira articulada, pois ambas levaram inovações às metodologias de ensino, e mais ainda, geraram mudanças positivas no comportamento e no rendimento escolar dos educandos.

Gubert e Castelli (2019) buscaram investigar como é possível promover a aprendizagem de educandos diagnosticados com o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade mediante os grandes desafios verificados no processo educativo destes indivíduos. Para isso, os autores consideram a utilização dos jogos digitais aliados ao ensino tradicional, tomando como fundamento a relevância do brincar no desenvolvimento integral e efetivo da criança. No caso das crianças com TDAH, as ferramentas digitais auxiliam não somente na concentração, mas, também, na interação social, uma vez que os jogos podem ser executados em grupo e, dessa forma, são capazes de promover a cooperação, a solidariedade, o senso de justiça e a empatia, além de mitigar possíveis prejuízos nas relações sociais. “O brincar deve permitir que os alunos ingressem em um mundo que os motivem e ao mesmo tempo trabalhe suas principais dificuldades, como atenção, memória, motivação concentração, entre outros pontos.” (CASTELLI e GUBERT, 2019, p.4).

Realizada no município de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, a pesquisa teve como metodologia a análise da opinião de uma professora da educação especial, um neurologista e uma psicóloga sobre o uso da gamificação para educandos com TDAH. Os três profissionais foram unânimes quanto aos benefícios do uso das tecnologias digitais na aprendizagem, principalmente quando voltados ao aprimoramento da concentração e ao desenvolvimento da memória. Os profissionais ainda sugeriram “atividades curtas”, “interface divertida e intuitiva” e “mensagens que encorajem o educando” como possibilidades na construção dos jogos para alcançar o objetivo pedagógico proposto.

O estudo ainda menciona o jogo Amazing Alex como ferramenta de aprendizagem. O jogo, que tem como protagonista um garoto ávido por construir soluções e coisas, “auxilia as crianças com TDAH na medida em que o jogo exige o planejamento de estratégias para que os níveis sejam concluídos com êxito” (EUGÊNIO, 2016, s/p), pois atua na atividade elétrica do cérebro das crianças com TDAH e ainda pode ser aplicado aos estudos das Ciências da Natureza, uma vez que traz os conceitos de gravidade e movimento. Posto isto, os autores indicam “o uso de jogos pedagógicos digitais aliados ao conteúdo, jogos de relaxamento individual ou em grupo” (Gubert; Castelli, 2019, p.8) para o desenvolvimento de estratégias e trabalhar o relaxamento dos educandos.

Visando identificar as fragilidades no processo de alfabetização e letramento, Santos e Minuzzi (2019) realizaram uma pesquisa de campo com oito crianças, do 2º ano do Ensino Fundamental, com dificuldade de aprendizagem. Três delas possuíam diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade e Deficiência Intelectual leve, respectivamente. Durante 10 meses as pesquisadoras realizaram atividades de aprendizagem com o apoio de tablets e notebooks.

As crianças assistiram vídeos da MultiGestos[5] e utilizaram o aplicativo Alicia[6]. A pesquisa revelou que as “crianças tinham dificuldades no processo de ensino e aprendizagem porque não atenderam aos requisitos na fase em que se encontravam, um diagnóstico que veio a confirmar o diagnóstico junto a nossa equipe pedagógica” (Santos; Minuzzi, 2019, p.12). A intervenção realizada por Santos e Minuzzi (2019) trouxe resultados significativos para as crianças, permitindo melhorias no rendimento escolar e na interação com os outros colegas.

De caráter qualitativo, a pesquisa realizada por Santos, Oliveira e Coutinho (2020) analisou, por meio da aplicação de questionários aos docentes, os impactos do aplicativo PEAK[7] como ferramenta de aprendizagem para educandos com TDAH durante as aulas remotas. Envolvendo docentes e discentes do 4º e 5º ano de duas escolas do município de Paulista, no estado de Pernambuco, a pesquisa revelou que,

“o aplicativo contribui para que o portador de TDAH enfrente suas dificuldades de concentração e foco, potencializando suas habilidades de criação e interação, através das atividades propostas.” (Santos; Oliveira; Coutinho, 2020, p.9).

Os pesquisadores enfatizam que, apesar das limitações do uso dessa tecnologia em sala de aula, os impactos proporcionados à aprendizagem foram muito positivos. Segundo resultado do estudo, após a utilização do aplicativo, os alunos elevaram a capacidade de concentração, curiosidade e atenção. Elementos fundamentais foram o auxílio e o estímulo dados aos educandos pelos professores e pelos responsáveis quando aqueles apresentavam dificuldades na utilização do PEAK. A motivação foi instrumento para o rompimento das barreiras e para a apresentação de resultados satisfatórios.

Gross, Lanfredi, Passos (2022) apresentaram um protótipo de aplicativo destinado a gerenciar a agenda de atividades e tarefas de crianças diagnosticadas com TDAH. O objetivo principal deste aplicativo é aprimorar o controle e otimização do tempo dessas crianças. Com base em um questionário online, os autores analisaram a opinião de pais e responsáveis para identificar os requisitos essenciais que o aplicativo deve atender para satisfazer as necessidades das crianças com TDAH.

Os resultados desse questionário revelaram que as principais dificuldades das crianças estão relacionadas à concentração e ao esquecimento das tarefas diárias. Segundo as opiniões coletadas, um aplicativo que gerencia as atividades e tarefas, com lembretes e um sistema de recompensa, seria o modelo mais apropriado. Com base nessas informações, os autores elaboraram um protótipo do aplicativo, que inclui perfis distintos para gerenciar as atividades (perfil do responsável) e para executar as atividades (perfil da criança). Com uma interface atraente e um sistema de fácil compreensão, o aplicativo foi proposto para ser acessível a todas as idades.

Os autores reconhecem que para a continuidade da pesquisa é essencial refinar os requisitos identificados, bem como aplicar e disponibilizar a ferramenta para o público-alvo.

5. Considerações Finais

Em síntese, os estudos analisados foram selecionados, pois, através de aplicações práticas das TDICs e de entrevistas com profissionais, indicaram que as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação podem ser uma estratégia eficaz para melhorar o desempenho acadêmico e socioemocional de educandos com o TDAH.

As pesquisas caminharam em direção a resultados muito positivos ao explanarem os benefícios das tecnologias digitais para a concentração, a atenção, a memorização, o raciocínio lógico, a interação social e a relação educador-educando. Estes aspectos são preponderantes para o diagnóstico do TDAH e, se trabalhados de forma coerente, mediante a detecção precoce do Transtorno, são passíveis de resultados exitosos, não somente para o processo educativo, mas para a vida social, profissional e particular do sujeito.

Teórico da aprendizagem, Vygotsky enunciou a indissociabilidade entre aprendizagem e desenvolvimento. Para ele, a aprendizagem é a mola propulsora para o desenvolvimento da criança, e esta aprendizagem só é possível através das interações sociais. Nesta perspectiva, as TDICs são de extrema relevância por, como demonstraram os estudos, aprofundarem e aprimorarem as relações sociais que ocorrem entre os educandos e entre educandos e educadores. As tecnologias digitais alimentam as interações, ao criarem espírito de equipe, empatia e solidariedade. Elas motivam sujeitos a superarem barreiras vistas como intransponíveis e a se sentirem mais seguros e resilientes diante das adversidades. Portanto, a aprendizagem efetiva-se gradativamente e, como consequência, abrem-se portas ao desenvolvimento.

Claramente concordamos com as barreiras ainda presentes no que tange a utilização das tecnologias digitais. Ainda nos deparamos com desafios pedagógicos, estruturais, materiais e na formação inicial e continuada dos docentes. O êxito dessas tecnologias digitais na aprendizagem depende de um conjunto de fatores, como as disparidades regionais, a adaptação às necessidades específicas de cada educando, a disponibilidade de recursos digitais em escolas onde muitas vezes não há materiais básicos, o aperfeiçoamento dos cursos de licenciatura, o investimento em formação continuada e a aceitação dos educadores ao uso de novas metodologias em sala de aula.

Todavia, não há como retroceder aos avanços das tecnologias digitais, elas já estão postas e integram o nosso cotidiano de maneira cada vez mais enraizada e consolidada. Modificaram e ainda modificam nosso modo de produzir, de nos entreter e de nos relacionar com o outro e com o mundo. Por isso, suas possibilidades para a educação são imensuráveis, favoráveis e despertam um novo fazer pedagógico que, de fato, vai ao encontro da construção de uma educação mais justa, autônoma, inclusiva e democrática.

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Como citar este artigo: ALMEIDA, Jacqueline Augusta de; MOREIRA, Stéphanie de Oliveira; ROCHA, Joice Stella de Mello. O uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação na aprendizagem de crianças com TDAH. Instituto Federal de Minas Gerais, Arcos, 2024.


*Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de São Paulo e pós-graduanda do curso de especialização em Educação Básica do Instituto Federal de Minas Gerais, campus Arcos. E-mail:0078105@academico.ifmg.edu.br

** Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista em Ensino de História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e pós-graduanda do curso de especialização em Educação Básica do Instituto Federal de Minas Gerais, campus Arcos. E-mail: 0077656@academico.ifmg.edu.br

*** Mestre em Matemática pela Universidade Federal de São João Del Rei e professora de Educação Básica, Técnica e Tecnológica (EBTT) do Instituto Federal de Minas Gerais, campus Arcos.

[1] Segundo o documento A educação especial na perspectiva da inclusão escolar (2010), do Ministério da Educação, “a educação inclusiva concebe a escola como um espaço de todos, no qual os alunos constroem o conhecimento segundo suas capacidades, expressam suas idéias livremente, participam ativamente das tarefas de ensino e se desenvolvem como cidadãos, nas suas diferenças.”

[2] A quinta competência geral da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dispõe sobre a compreensão, a utilização e a criação de tecnologias digitais de informação e comunicação como ferramenta para “para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.” (BNCC, 2018, p.9).

[3] Segundo Luckesi (2019, p.21) a avaliação deve ser entendida como instrumento para tomada de decisões e não como uma simples ferramenta que dita a aprovação ou a reprovação dos educandos.

“A avaliação necessita constatar se o curso de ação em prática está conduzindo aos resultados desejados, para que, então, o gestor, com essa base, possa direcionar suas decisões da forma mais adequada possível.” (LUCKESI, 2019, p.21).

[4]  Para o desenvolvimento do artigo, considerou-se bibliografias com estudos recentes, a aplicabilidade das TIDCs no ensino e na aprendizagem e a concepção de profissionais a respeito do uso das TIDCs na aprendizagem de educandos com TDAH.

[5] Método brasileiro de intervenção para Apraxia de Fala na Infância, ele é usado para auxiliar crianças com AFI a se desenvolverem tanto na fala quanto na parte pedagógica.

[6] Aplicativo Alicia, atualmente está indisponível na plataforma da Play Store. 

[7] Aplicativo PEAK, usa jogos e quebra-cabeças para exercitar o cérebro e manter a mente ativa. Disponível gratuitamente na plataforma da Play Store.

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