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A solidão de cada um

A SOLIDÃO DE CADA UM

Margarete Hülsendeger

 

O problema da solidão é que não temos a quem mentir.

Mia Couto

 

Em 2014 escrevi uma crônica[1] sobre uma experiência realizada na Universidade de Virginia, nos Estados Unidos, na qual alguns voluntários foram colocados sozinhos, em salas completamente isoladas, com o objetivo de permanecerem 15 minutos tendo como única companhia seus próprios pensamentos. Apenas um estímulo foi permitido: apertar um botão que produziria um choque elétrico.

Os dados coletados nesse estudo foram bem interessantes: 67% dos homens e 25% das mulheres não conseguiram deixar de apertar o botão. Eles escolheram “sentir” as descargas elétricas a permanecerem sozinhos. E o mais estranho é que alguns deles optaram pelo “castigo” várias vezes. Os pesquisadores responsáveis pelo experimento ficaram bastante surpresos, pois esse resultado indicou o quanto as pessoas ficam desconfortáveis quando a única companhia disponível são elas mesmas. Agora, seis anos depois, por conta do Covid-19, estamos passando por uma experiência semelhante.

Os especialistas concluíram que a melhor forma de controlar a propagação do vírus era o isolamento social horizontal. Nesse tipo de isolamento a recomendação é que todos permaneçam em casa, só saindo em caso de extrema necessidade. A Itália e a Espanha relutaram muito em adotar essa medida, considerada por certos setores da sociedade como radical, pois a viam como prejudicial para a economia. Essa relutância acabou tendo um preço muito alto, já que o vírus se espalha rapidamente infectando qualquer pessoa, não importa a idade.

Desse modo, aqui no Brasil, muitas pessoas conhecendo a situação terrível na qual se encontram nossos irmãos chineses, italianos e espanhóis, decidiram pelo autoisolamento. A ação foi respaldada por diversas empresas e por todas as escolas, instituindo-se o home office e o school office, respectivamente. Assim, a despeito das muitas discussões sobre as vantagens e desvantagens desses recursos, o fato é que milhares de pessoas estão fechadas dentro de suas casas trabalhando, estudando ou apenas esperando que tudo se acalme e a crise passe o mais rápido possível. Algumas dividem esse isolamento com seus familiares, mas outras estão completamente sozinhas, tendo como companhia somente elas mesmas. E foi essa situação que me fez lembrar da pesquisa sobre a qual escrevi em 2014.

É possível argumentar que as circunstâncias de hoje são completamente diferentes do estudo americano, pois está permitido todo e qualquer tipo de estímulo: Facebook, Whatsapp, NetFlix, livros, música… Logo, o isolamento não é completo. Ainda estamos conectados, basta apertar um botão ou digitar algumas palavras em um teclado de computador e teremos acesso a toda diversão que quisermos. Contudo, será que todos esses “prazeres” são substitutos “aceitáveis” para as interações pessoais com as quais estamos acostumados?

Historiadores e antropólogos dizem que o elemento chave da nossa conquista do mundo foi a capacidade do ser humano de conectar muitos humanos uns com os outros. Yuval Noah Harari, por exemplo, explica que hoje o homem domina completamente o planeta “não porque um indivíduo humano seja muito mais esperto e mais ágil do que um indivíduo chimpanzé ou lobo, e sim porque o Homo sapiens é a única espécie na Terra capaz de uma cooperação flexível e em grande escala”. Uma cooperação que se estabeleceu e ainda se estabelece, na maioria das vezes, de forma presencial, ou seja, olho-no-olho.

Margarete Hülsendeger é Física e Mestre em Educação em Ciências e Matemática/PUCRS. É mestra e doutora em Teoria Literária na PUC-RS. margacenteno@gmail.com

Portanto, é uma incógnita como esse isolamento, que nos foi imposto devido ao Covid-19, irá nos afetar. Minha opinião não especializada é que irá depender do tempo que permaneceremos em isolamento. Duas semanas é uma “folga” muito bem vinda, um mês umas “férias” atrasadas, podemos lidar com esses períodos como se fossem uma espécie de retiro espiritual; mas dois, três ou mais meses é um experimento que ainda não foi feito na vida real, pelo menos não de forma tão massiva. Na internet, no entanto, já podemos encontrar memes e piadas demonstrando os sentimentos das pessoas que permanecem encerradas em suas casas, sozinhas ou acompanhadas. Tudo até o momento aponta para uma “loucura divertida”, própria de quem ainda está conseguindo levar a situação na brincadeira. Ponto para o ser humano, um “bicho” com uma capacidade de adaptação fantástica! Contudo, isso não impede que, passado algum tempo, não pensemos em apertar um botão imaginário, em busca de qualquer estímulo que nos retire de nossa própria companhia e nos dê uma ilusão de liberdade. Como disse antes, não sabemos como reagiremos a um período mais longo de isolamento social, esse é um terreno pouco explorado. Pode ser que até venhamos a gostar e nos tornemos ermitões, “viajando” apenas pela internet.

De qualquer forma, atualmente não temos muita opção. Até o momento não há medicamento recomendado para prevenir ou tratar a infecção provocada pelo Covid-19. Desse modo, o rompimento do isolamento pode significar o comprometimento não só da nossa saúde, mas a de todos com os quais venhamos a entrar em contato. É um risco imenso que não vale a pena correr e se tivermos dúvidas sobre o resultado basta olhar para a China, a Itália e a Espanha. Pode parecer uma pieguice ou um clichê, mas nesse período de crise precisamos ser positivos e pensar na possibilidade maravilhosa que o universo está nos oferecendo. Está-nos sendo dada oportunidade de descobrir um pouco mais sobre nós mesmos, não apenas como indivíduos, mas como integrantes de uma comunidade muito maior chamada humanidade. Por essa razão, antes de apertar qualquer botão, reflita sobre o que lhe está sendo pedido, medite sobre as consequências de seus atos, pense em você, mas também pense no outro.

#FiqueEmCasa!

[1] Vide: https://www.partes.com.br/2014/10/03/eletrecidade-e-solidao/

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