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Pensar currículo a partir da obra Documentos de Identidade: uma introdução às Teorias do Currículo de Tomaz Tadeu da Silva

Pensar currículo a partir da obra Documentos de Identidade: uma introdução às Teorias do Currículo de Tomaz Tadeu da Silva

Karoline Ribeiro Rabelo[1]

Rozane Alonso Alves[2]

Rozane Alonso Alves – Professora Dra Rozane Alonso Alves. Professora do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Email: rozanealonso@ufam.edu.br

Resumo: A proposta deste escrito é apresentar as problematizações levantadas por Silva (2017) frente as questões de currículos e as teorias e correntes que perpassam o conceito de currículo e sua abordagem pedagógica no contexto da educação formal. Para isso, resenhamos o livro de forma a perceber como o conceito de currículo é produzido historicamente e dialogado por Tomaz Tadeu da Silva, especificamente, no livro Documentos de Identidade: uma introdução as teorias do currículo, em sua terceira edição.

Palavras-Chave: Teorias do Currículo. Educação Formal. Currículo.

Think curriculum based on the work Identity Documents: an introduction to Tomaz Tadeu da Silva’s Curriculum Theories

Abstract: The purpose of this paper is to present the problematizations raised by Silva (2017) in relation to curriculum issues and the theories and currents that permeate the concept of curriculum and its pedagogical approach in the context of formal education. For this, we review the book in order to understand how the concept of curriculum is historically produced and dialogued by Tomaz Tadeu da Silva, specifically, in the book Identity Documents: an introduction to curriculum theories, in its third edition.

Keywords: Curriculum Theories. Formal Education. Curriculum.

 

Teorias do Currículo sob a ótica de Tomaz Tadeu da Silva

         As discussões ora apresentadas tem como objetivo fazer uma análise crítica acerca da primeira e segunda parte do livro Documentos e identidade: uma introdução as teorias do currículo,

Karoline Ribeiro Rabelo – Acadêmica do Curso de Pedagogia do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Campus Humaitá. Email: karolrabelllo@gmail.com

sendo estas “Teorias do currículo: o que é isto” e “Das teorias tradicionais às teorias críticas”. Essa análise se dá por meio da observação de todo o processo que na qual o conceito de teoria passou, juntamente com a ideia de currículo de acordo com vários pensadores. É possível perceber de forma explicita que, com o passar dos anos foram se concretizando questões dentro do currículo que foram essenciais para a construção do currículo que temos hoje. E ao adentrar em uma análise crítica acerca do livro de Tomaz da Silva é importante retratar uma contextualização quanto ao autor.

         Entrando no livro é possível em primeiro momento refletir sobre o que é uma teoria, como Silva (2017, p. 11) vem demonstrando de maneira bem nítida que a teoria é uma representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que […] a precede. Dentro disso é possível fazer uma análise profunda sobre como é preciso entender o conceito de teoria na sua forma mais complexa para então inseri-la na construção do currículo. Não se limitando somente a descrição da realidade o autor também traz a ideia de criação, na qual o objeto que a teoria descreve é por meio disso inventado por ela. Quando o autor relaciona o conceito de teoria e currículo, logo após integrar o leitor de outros significados utilizados no decorrer do texto, é interessante como, este, diferente de muitos, não buscou e alega isso, trazer uma definição concreta e real do que seria currículo, mas sim analisar toda a história e identificar os processos da qual o conceito currículo passou e se formou como o tal.

         E de acordo com o que foi discutido acima é que apresentamos também de forma simples e objetiva como as teorias do currículo se formam. A analogia posta pelo autor trazendo as questões que fundamentam o que seria a base de cada teoria é inteligente, afirmar, de forma coesa, que na realidade as diversas teorias apresentadas ao longo dos anos estão e são documentos de identidade e trazem, mesmo e forma indireta, a subjetividade da humanidade. Isso porque, como ressalta o autor, o próprio currículo carrega questões de identidade. O que será escolhido e desenvolvido no currículo é uma sacada que analisando individualmente cada teoria poderia passar despercebido, mas no conjunto traz uma ideia de que como afirma o Silva (2017. p. 16) as teorias do currículo estão situadas no campo epistemológico social e que as questões de poder serão usados como divisória entre as teorias tradicional, critica e pós-critica que se diferem ao ser prostrarem neutras e organizacionais enquanto outras defendem a ideia de não existir uma teoria neura. Ambas se relacionam entre si e por sua vez com as relações de poder existentes na sociedade.

         O primeiro capítulo do livro traz uma retrospectiva que aborda a história que marca o início dos estudos sobre currículo. Já é de conhecimento geral que o processo educacional por si só carrega, em seu início, carrega fortes traços tradicionalistas, o que o autor explora é como surgiu e se solidificou o ideia tradicionalista: de currículo no ensino. Como ele traz:

As respostas de Bobbitt eram claramente conservadoras, embora sua intervenção buscasse transformar radicalmente o sistema educacional. Bobbitt propunha que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outra empresa comercial ou industrial. Tal como uma indústria, Bobbitt queria que o sistema educacional fosse capaz de especificar precisamente os resultados que pretendia obter, que pudesse estabelecer métodos para obtê-los de forma precisa e formas de mensuração que permitissem saber com precisão se eles foram realmente alcançados. (SILVA, 2017. p. 23)

As considerações de Bobbitt acerca do sistema de ensino foram cruciais para a construção de uma das mais concretas e dominantes vertentes do século XX, e mesmo concorrendo com vertentes progressistas, ainda marcou de forma significativa todo o processo de construção do currículo a partir da teoria tradicional. A base teórica da teoria tradicional possuía uma forte raiz científica que deixava possíveis constatações mais complicadas já que uma base científica possuía muito mais peso, no entanto ao se referir a um processo que trabalha com a subjetividade presente nos indivíduos sempre há que pode ser chamado nessa vertente de “erro”. Não em seu sentido maia amplo, no entanto, ainda sim, trazendo de acordo com Bobbitt, o conceito de padrão dentro do processo de ensino. E o mesmo até exemplifica isso com o auxílio da matemática onde Silva (apud. Bobbitt. 2017. p. 24) demonstra a realização de adição de uma turma da oitava série que delimita e analisa o ritmo na qual é feita essas adições. O padrão utilizado em fábricas para acelerar o processo de fabricação por meio de medias repetitivas e mecanizadas é o mesmo que se é pensado na educação. O que se desenvolve é a agilidade em realizar uma soma e não o desenvolvimento do conhecimento que se dá acerca do assunto. No entanto, tais modelos de currículos só seriam realmente contestados, de acordo com o autor, da década de 70.

Ao expressar as condições que envolveram a formação e consolidação da teoria tradicional de currículo, segue-se para a transição e o processo de transformação que ocorreu na década de 60 em todo o mundo. O autor traz fatos marcantes que em seu conjunto foram um grande fator de mudança nas práticas da época. A teoria, antes tradicional, passou a ser criticada e reformulada a partir de diversos autores que, de acordo com os eventos de mudança ocorrendo no mundo, passaram a enfatizar o processo educacional para além do mercado de trabalho e as medidas reprodutivistas presentes na sociedade. Silva (2017. p. 29) afirma que, Tyler e Bobbitt não estavam interessados em fazer um questionamento mais radical aos arranjos já existes, tanto é que a teoria tradicional tinha uma base de aceitação e adaptação por meio da supremacia de uma classe dominante.

Um dos principais destaques feitos pelo autor foi como cada teoria se atrelava ao currículo, um priorizando como era feito o currículo e o outro enfatizando questões sociais e educacionais trazendo um contraste de uma para outra. Dentre todos os autores citados, inclusive Paulo Freire, é salientado dois ensaios revolucionários para a teoria crítica do currículo, começando por Louis Althusser, com A ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado. Com uma análise marxista da sociedade e trazendo uma conexão de ideologia e educação, este por sua vez trabalha com a ideia de a sociedade continua capitalista por meio da propagação das ideologias da classe dominante no processo educacional vigente na época. E não somente isso, este separa diversos aparelhos ideológicos que fundamentam a manutenção desse sistema, tais como os aparelhos repressivos do estado e aparelhos ideológicos do estado que cada a uma sua maneira propagam a ideia de supremacia de uma classe.

A ideia que Althusser traz entra no currículo a partir do momento em que a escola passa a ser um instrumento que atua ideologicamente propagando através de matérias e com o transporte de crenças sociais que podem ser passadas em diversas matérias. E com isso, trabalha com medidas que fazem, aos olhos da classe dominada, que os costumes da classe dominante são melhores e consequentemente se habituem com a submissão e a obediência.  A teoria de Althusser faz uma relação entre educação e economia e com isso a escola como uma reprodutora dessa ideologia por meio de matérias pré-programadas para o desenvolvimento dessa reprodução.

Em contraste com isso, Bowles e Gintins não frisavam no conteúdo passado e sim na aprendizagem por meio das relações sociais. Ambos possuíam um posicionamento que relacionava a educação com alguma forma de reprodução dos comportamentos dominantes. Isso se evidencia no trecho:

A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explicito de seu currículo, mas ao espalhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar as relações sociais nas quais, os estudantes aprendem a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões superiores da escala ocupacional que tendem a favorecer as relações sociais nas quais os estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia (SILVA. 2017. p. 33)

Conforme alega o autor, baseado nas teorias de Bowles e Gintis é possível ver a escola como uma reprodução da sociedade capitalista e ambas trazem uma crítica a esse modelo de sociedade.

E por último, dentro os pensadores expostos vem Bourdieu e Passeron, que trazem uma crítica a reprodução, no entanto, não de uma maneira econômica que foi mostrada nas teorias anteriores, mas sim um reprodução cultural que se reproduz em uma escala na qual a cultura dominante se sobrepõe a dominada e com isso há uma super valorização do que a classe dominante acredita ser bom e uma desvalorização da cultura da classe dominada. Isso se propagada na forma em que as melhores condições se reservam somente a quem entende a linguagem importa pela classe dominante, fazendo assim com que quem entenda essa linguagem alcance o almejado e quem não entende, continue na situação de inferioridade. É interessante ressaltar que os pensadores dessa análise não a criticavam de um todo, e sim as condições na qual isto se aplicava. No entanto, mesmo visando condições na qual todos possam entender a “linguagem”, ainda haveria uma desvalorização daquelas que não se encaixariam dentro dessa linguagem.

Com as mobilizações feitas foi se formando outros movimentos, dessa vez mais visíveis e organizados que trabalhavam a ideia de currículo. A perspectiva fenomenológica carregava em si um currículo constituído de um lugar onde os docentes e aprendizes tem oportunidade de maneira diferente o que já está imposto no cotidiano. Ainda dentro do currículo, análise deste se dá de maneira fenomenológica e combinada com outras estratégias de investigação, como pontua o autor e com isso trabalha com um conjunto de significados, que afirma que o currículo não é somente um meio a ser utilizado na vida escolar, mas sim na vida inteira.

Assim como foi demonstrado nas perspectivas anterior do processo que as teorias do currículo foram passando. É possível analisar que muitas delas se assemelham umas com as outras, no entanto, com o passar do anos e com o firmamento de pensamento há alterações que antes não foram inseridas e com isso dá uma estrutura mais segura para embasar as análises feitas. Michael Apple é um dos exemplos mais claros disso, já que traz uma crítica neomarxista com fortes resquícios da teoria de Althusser e Bourdieu. Mesmo que estes tenham trazidos críticas radicais acerca de uma educação liberal. O autor traz uma concepção não focada nos eixos econômicos ou ideológicos, mesmo que não negue sua existência, no entanto traz que essa ligação entre a cultura, economia e educação, trabalhas por Althusser, Bourdieu e Bernstein, não são feitas de maneira direta e simples, mas sim contendo uma preocupação em evitar uma “concepção mecanicista e determinista”. Silva (2017) apresenta que Apple considera a ação humana, alegando que o currículo não pode ser simplesmente deduzido do funcionamento da economia.

É precisamente através desse esforço de convencimento que a dominação econômica se torna hegemonia cultural. Esse convencimento atinge a sua máxima eficácia quando se transforma em senso comum, quando se naturaliza. O campo cultural não é um simples reflexo da economia: ele tem sua própria dinâmica. As estruturas não são suficientes para garantir a consciência; a consciência precisa ser conquistada em seu próprio campo. (SILVA, 2017. p. 46)

Esse campo que Silva traz a partir da visão de Apple se dá com o conceito de hegemonia proposto pelo tal, na qual os grupos dominantes são obrigados a recorrer a um permanente convencimento ideológico para se manter no poder. Isso ocorre de maneira significativa já que é naturalizado conceitos com ideologias dominantes e estes por sua vez continuam no poder. A crítica feita por anteriormente retrata as questões do currículo sempre relacionadas ao “por que?” enquanto a de Apple se preocupa com o conhecimento de “quem?”. É a partir de Apple que o currículo oculto passa a ser evidenciado, se tornando posteriormente um debate bem importante no âmbito escolar e ele aparece como uma das vertentes do currículo apresentada pela crítica de Apple, e a outra seria na importância também do currículo oficial.

Com uma visão diferenciado dos demais autores, o autor traz também Henry Giroux que analisou e buscou aplacar cada fraqueza ou debilitação que julgou ter encontrado nas teorias já citadas. Com a evolução e cada vez mais problemáticas acerca do currículo e das teorias do currículo, Giroux se preocupou em desenvolver uma preocupação coma cultura popular, ele se centrou em como as classes e as relações de dominantes existentes na sociedade. O currículo proposto por Giroux tem caráter formativo de processos revolucionários afim de canalizar o potencial de resistência afim de criar um currículo libertador e emancipador. Este por sua vez é acarretado por políticas culturais e de um outro lado um campo pedagógico, que em si, dentro do currículo é essencial.

Não esquecendo de mencionar um dos grandes contestadores da pratica tradicionalista na educação, Paulo Freire entra trazendo uma nova perspectiva. Pedagogia do Oprimido é uma das obras que mais representam o pensamento e posicionamento de Freire sobre o currículo. A crítica de Freire se estabelece na mecanização do processo de ensino assim como a tão famosa Educação bancaria, que não passada de um método de transmissão de conhecimento com a passividade do aluno e o autoritarismo do professor.

Com uma visão diferenciada, Freire vê o conhecimento como algo além de aspectos que são passados somente na sala de aula ou pelo professor, este considera o conhecimento de mundo dos alunos um das fatores de que envolvem o ato pedagógico. Silva (2017) traz de acordo com Freire, que na sua ênfase excessiva num verbalismo vazio, oco, o conhecimento expresso no currículo tradicional está profundamente desligado das pessoas envolvida no processo pedagógico. O que Freire busca é uma educação problematizadora e uma contraposição a educação bancaria que o mesmo tanto crítica, trazendo uma ideia onde há um conhecimento compartilhado mutuamente, envolvendo a intercomunicação e a intersubjetividade.

Trazendo uma finalização da primeira parte do livro, mesmo ainda ficando poucas teorias é importante trazer o currículo oculto como forma de encerramento dessa primeira parte do conteúdo. Ao fazer uma análise sobre o processo e o desenvolvimento que foi incumbido as teorias de currículo saindo do tradicionalismo e passando por uma carreta de transformações, o currículo oculto pode ser o que mais se destacou como elemento de inserção.

Com um início feito desconsiderando aspectos que estão presentes no currículo oculto, terminar com a valorização desse modelo é interessante. O autor traz a definição de currículo oculto, que é aquele que não está presente de forma explicita ou nos conteúdos oficiais, mas aquele se aparece de acordo com possíveis levantamentos na sociedade. Ele se dá por meio das relações sociais importas por professores e alunos e até mesmo da escola com a sociedade, mesmo com o autor trazendo possíveis consequências negativas que assolaram e deturparam esse conceito. É uma das principais ferramentas a serem usadas em sala de aula afim de trazer a realidade que a sociedade enfrenta e as questões contextualizadas para o meio educacional.

Referências

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed.; 10. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

[1] Acadêmica do Curso de Pedagogia do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Campus Humaitá. Email: karolrabelllo@gmail.com

[2] Professora Doutora em Educação, vinculada ao Curso de Pedagogia do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Campus Humaitá. Email: rozanealonso@ufam.edu.br

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