Contos Cultura Margarete Hülsendeger

A SIGNORA E O GATTO

A SIGNORA E O GATTO

Margarete Hülsendeger

A sabedoria dos velhos é um grande engano. Eles não se tornam mais sábios, mas sim mais prudentes.

Ernest Hemingway

A Ernest Hemingway

Ele estava no escritório quando a Signora desceu as escadas. Desviando o olhar, fingiu mexer nos papéis espalhados sobre a mesa. No entanto, quando ela passou em frente à porta, rapidamente ergueu-se para cumprimentá-la. Era tão pequena e delicada que um sentimento estranho de proteção despertou dentro dele.

– Il piove – a mulher disse, se esforçando por falar em italiano.

Ele sorriu para o seu esforço.

Si, si, Signora, brutto tempo. – disse e, em inglês, repetiu. – O tempo está muito ruim.

A mulher também sorriu para a sua tentativa de falar em inglês. Em seguida, com um aceno de despedida, andou em direção à saída do hotel. A testa do homem se contraiu em preocupação. Olhou em direção as escadas esperando encontrar o marido. Não havia ninguém.

Quando o casal de americanos chegou ao hotel sentiu uma aversão imediata pelo homem. O marido nem se deu ao trabalho de apresentar a esposa, era como se ela não existisse.

A americana era baixa, com o cabelo cortado bem curto, como o de um menino, e muito jovem. Jovem demais. Contudo, ele não se sentia velho perto dela. Ao contrário. Assustado, com esses pensamentos, manteve-se longe, mas sem perdê-la de vista. Agora, por exemplo, ao vê-la indecisa em enfrentar o aguaceiro chamou sua ajudante, Lucia, para verificar o que estava acontecendo. De passagem, entregou-lhe um guarda-chuva caso a garota quisesse sair.

Quando Lucia chegou à porta, a americana estava pronta para deixar o hotel. Com rapidez, ela abriu o guarda-chuva e postou-se atrás dela. A jovem se assustou, mas ao reconhecer a empregada, sorriu com timidez.

Ao ver as duas saírem, ele correu e ficou espiando-as. Depois de andarem um pouco, elas pararam diante de uma mesa que ficava bem debaixo do quarto onde os americanos estavam hospedados. As duas conversavam em voz baixa, em sussurros. A mulher parecia triste e desanimada. Lucia olhou em sua direção e, ao vê-lo, fez um gesto com a cabeça pedindo ajuda. Ele acenou para que ela trouxesse a americana para dentro do hotel, depois correu para a segurança do escritório voltando a fingir que estava ocupado com os papéis sobre a mesa.

Quando as duas retornaram, Lucia fechou o guarda-chuva e com um murmúrio de desculpas se despediu. Por alguns minutos, a mulher permaneceu imóvel na porta. Seu rosto estava abatido e ela não parava de passar a mão pelo cabelo curto, como se com esse gesto pudesse fazê-lo crescer mais rapidamente.

Despertando do devaneio, ela se virou para regressar ao quarto. Dessa vez, a garota não quis conversa, deu-lhe um sorriso cansado e subiu as escadas em silêncio. Quando ele escutou a porta do quarto abrir e em seguida fechar, levantou-se e foi direto para a cozinha.

– O que aconteceu com a Signora? – perguntou, sem rodeios, a Lucia.

Lucia encolheu os ombros:

Un gatto. A Signora procurava um gato. Ele estava debaixo da janela do seu quarto e ela o queria.

Surpreso não disse nada. De volta ao saguão do hotel, ficou parado enquanto coçava a cabeça pensativo. Num rompante, correu para a rua, sem nem mesmo se preocupar em se proteger da chuva. Primeiro foi até a mesa debaixo da janela do quarto da americana. Nada. Nem sinal do gato. Em seguida, afastando-se da mesa, procurou qualquer esconderijo no qual o animal pudesse se esconder. Nada. A água escorria de suas roupas e cabelo. De repente, um som fez com que se virasse. O maldito gato estava na entrada do hotel. Com as patas molhadas arranhava a porta tentando entrar.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Com cuidado, aproximou-se e, agachando-se, levantou-o do chão. O pobre animal estava tão cansado que não fez nenhuma força para escapar. Os olhos tristes do bicho lembraram os da americana.

– O que ela viu em você? – perguntou em voz alta para o gato. O bichano respondeu passando a língua rosa em uma de suas patas.

Entrando no hotel foi até a cozinha. Quando Lucia o viu com o gato molhado, não pôde conter o riso. Aborrecido, ele mandou que ela se calasse. Lucia ergueu as mãos em sinal de desculpa. Depois de secar o gato com uma pequena toalha, entregou-o para Lucia, ordenando que ela o levasse para a americana. Em silêncio, ela segurou o gato e saiu correndo.

Cansado, ele ficou em pé no meio da cozinha, sem entender direito o que havia feito. Era velho demais para essas aventuras estúpidas. Olhando em torno, procurou uma toalha limpa para se secar. O rosto angustiado da mulher não saia da sua cabeça. No fundo, a história do gato fora apenas uma desculpa. Era o idiota do marido o responsável por tudo. A raiva estava se transformando em ódio e ele nem sabia explicar a razão. Com força esfregava a cabeça, tentando secar o cabelo.

Um ruído fez com que retirasse a toalha do rosto. A americana estava parada na porta segurando fortemente o gato contra o corpo. Os dois se olharam por alguns segundos em completo silêncio.

Grazie – disse a garota. E sem esperar por uma resposta, saiu deixando-o sozinho.

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