Crônicas Cultura Margarete Hülsendeger

QUESTIONÁRIO PROUST

Margarete Hülsendeger

 

A sabedoria não se transmite, é preciso que nós a descubramos fazendo uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas.

Marcel Proust

 

Em uma época onde não existia internet, TV e até mesmo rádio surgiu uma brincadeira cujo propósito era entreter os jovens de boa família nos encontros sociais. Era um passatempo que virou moda no final do século XIX e que consistia em responder a uma série de perguntas, desde as mais bobinhas – “qual a sua cor favorita?” – até algumas bem difíceis – “qual a sua noção de felicidade?”. Teoricamente, as pessoas que quisessem participar da brincadeira deviam ser sinceras e honestas nas suas respostas, pois o objetivo era desvendar a “verdadeira” natureza daquele que respondesse ao questionário.

Esse jogo de salão poderia ter caído no esquecimento como tantos outros se um escritor muito famoso não decidisse responder a todas essas perguntas. O autor, como o título deste texto revela, foi o francês Marcel Proust (1871-1922). Conta a lenda que o questionário foi apresentado ao jovem Proust por uma amiga de infância, Antoinette Faure (1872-1966) que, apiedando-se do quase sempre adoentado amigo, o fez ler “Confessions. An Album to Record Thoughts, Feelings, & c.”, uma espécie de confessionário em papel, famoso na época vitoriana. Proust não só respondeu as questões da amiga, como 20 anos depois repetiu a experiência publicando suas respostas em um livro intitulado “Les Confidences de Salon” (1887).

Desde, então, o questionário, composto por mais de 30 perguntas, tem sido usado como uma espécie de padrão de entrevista. Psicólogos e jornalistas, por exemplo, o utilizam quando querem descobrir a “essência” de alguém a partir de suas respostas. Muitos famosos – Donald Trump, Arnold Schwarzenegger e David Bowie – já responderam essas perguntas em revistas, como a Vanity Fair, ou em programas de TV como Inside the Actors Studio, por exemplo[1].

Como ficaria muito extenso reproduzir todas as perguntas e respostas de Proust escolhi apenas cinco, ou seja, aquelas que, na minha opinião, são as mais interessantes e reveladoras. Recomendo que você não apenas as leia, mas pense nas respostas que daria se alguém o estivesse interrogando. Já adianto que não são perguntas simples. Exigem um certo autoconhecimento, assim como uma boa dose de honestidade na hora de respondê-las. E mesmo que você não compartilhe suas respostas com ninguém, será uma experiência interessante, porque o fará refletir sobre questões que, na correria diária, evitamos pensar. Vamos, então, às cinco perguntas que escolhi e as respostas de Proust:

1ª Qual a sua noção de felicidade?

Proust: “Acho que ela não é incrível o suficiente. Não tenho coragem de revelá-la, tenho medo de destruí-la só por contá-la”.

2ª Se você não fosse você mesmo quem seria?

Proust: “Eu mesmo, que é quem as pessoas que me admiram gostariam que eu fosse”.

3ª O que você mais odeia?

Proust: “O que é ruim em mim”.

4ª Por qual defeito você tem menos tolerância?

Proust: “Aqueles que compreendo”.

5ª Qual seu lema favorito?

Proust: “Eu deveria ter medo demais para me causar desgraças”.

Então, o que achou? Pense que, além dessas cinco perguntas, existem mais trinta para responder. Como você acredita que se sairia? Obviamente, não posso falar por ninguém, mas como antes de escrever este texto me fiz essas mesmas perguntas, vou deixar registradas as minhas respostas:

1ª Estar em paz com minhas decisões de vida.

2ª Fico com Proust. Seria eu mesma, os que gostam de mim não quererem que eu seja outra pessoa.

3ª Que me enganem ou, em palavras mais simples, que me façam de idiota.

4ª Inveja.

5ª Seja feliz e não se importe com o que os outros pensam.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

As perguntas do “questionário Proust” geralmente dialogam entre si. Se uma das perguntas é sobre a felicidade, outra quer saber sobre o que te faz infeliz. Desse modo, é possível, conforme os profissionais que utilizam desse recurso, traçar um perfil, mesmo que incompleto, da pessoa que está sendo entrevistada. Além disso, é uma maneira de desenvolver no interrogado uma visão mais crítica de si. Outro aspecto interessante do “questionário Proust” é perceber as mudanças que ocorrem nas respostas conforme a passagem do tempo.

O autor de Em busca de o tempo perdido respondeu pela primeira vez a essas perguntas quando tinha apenas 18 anos. Nessa época, ele disse que gostaria de viver “no país do Ideal, mais propriamente no país do Meu Ideal”[2]; 20 anos depois, no entanto, ele diria “num país onde certas coisas de que eu gostasse se tornariam realidade como num passe de mágica, e onde carinho sempre seria retribuído”. As mudanças, mesmo sutis nas respostas, não só de Proust, mas de qualquer pessoa, são consideradas um sinal de amadurecimento, pois as expectativas, os anseios e até a nossa forma de nos enxergarmos, mudam conforme as experiências que vivemos. Se essas mudanças são positivas ou negativas é outra questão.

De qualquer forma, o “questionário Proust”, apesar de ter sua origem em uma brincadeira de salão, é uma ferramenta interessante para conhecermos um pouco melhor a nós mesmos e àqueles que estão próximos de nós. Talvez muitas pessoas não se sintam à vontade de responder essas perguntas com uma audiência. Se esse é o seu caso, procure o questionário na internet e transcreva-o para um caderno, depois responda, com calma e com a maior sinceridade, as 35 questões. Tenho certeza que o exercício será no mínimo estimulante, já que raramente paramos para pensar no que gostamos ou odiamos, no que nos faz felizes ou infelizes, ou se temos algum lema de vida. Tente e vamos ver se sua “essência” é revelada.

[1] Disponível: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-o-questionario-proust/. Acesso em: 23 fev 2021.

[2] Disponível: https://observador.pt/2017/11/28/questionario-de-proust-o-teste-de-40-perguntas-para-se-conhecer-melhor-e-aos-outros/. Acesso: 23 fev 2021.

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