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MAIS COMPLETA TRADUÇÃO

  Quando Caetano cantou “Sampa”, afirmou: “Ainda não havia para mim, Rita Lee, a tua mais completa tradução”.

            Como “traduzir” Rita Lee? É difícil, para não dizer impossível.

            Para mim, ela é musa desde a infância.

            Quando a vi, acompanhando Gilberto Gil na interpretação de “Domingo no Parque”, no Festival da Record de 1967 (o melhor de todos os tempos, em minha opinião), como integrante de Os Mutantes, eu, então com 7 anos, logo me rendi a ela!

            No esplendor de seus 19 anos, com aquele visual psicodélico, incluindo um coraçãozinho desenhado no rosto, Rita, Arnaldo e Sérgio eras mais do que um sopro, eles eram um vendaval de novidade visual. Os Mutantes fizeram história na sala de jantar e em Portugal, de navio, sem sabotagem (quem conhece, vai entender).

            A fase “pop” de Rita Lee é emblemática! Quando estudei na França, entre 1985 e 1986, a Radio Activité, de Marselha, teve uma sequência de programas dedicados a ela!

            Mas eu gosto, particularmente, do seu período intermediário entre Os Mutantes e o pop, tempos de Rita Lee & Tutti Frutti e de roqueira explícita e escrachada.

            Ela nunca envelheceu, mesmo quando afirmou, sem preocupação com os atuais estereótipos: “Mas, eu tô ficando velho, cada vez mais doido varrido! Roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido. Vou botar fogo nesse asilo! Respeite a minha caducagem! Porque essa vida é muito louca, e loucura pouca é bobagem”.

            Ela transitou por vários estilos, sem nunca ter medo de transgredir, progredir ou retroagir, sem nunca regredir. Também não se prendeu muito a modismos, pois, para ela “juventude transviada” era conto de fada. Isso não a impediu de arrombar a festa duas vezes, criticando o cenário musical da década de 1970. Se tivesse feito uma terceira música atualmente, provavelmente gritaria “Orra meu!” e detonaria a festa, bem ao estilo guerrilheiro forasteiro.

            Uma de minhas músicas preferidas de Rita – e não são poucas! – é “Ovelha Negra”! Não sei se ela fala de si, mas melodia, letra e voz formaram um amálgama reflexivo poderoso, uma obra-prima de primeira grandeza!

            No extremo oposto, ela possuía uma finíssima veia irônica, capaz que despertar a fúria de radicais quando expunha suas ideias: “Quanto mais a mulher jura gostar de homem erudito, tanto mais ela procura um tipo burro e bonito”.

            Rita Lee conseguia usar de malícia sem ser vulgar, e não negava que também era romântica, o que a fez cair no gosto de todas as idades, também as acompanhando. E não precisou levantar bandeiras de outros, pois tinhas as próprias, precoce e jovem de ideias que sempre foi. Ironizou até sua doença, no que somos bem parecidos.

            Caetano ainda não tinha a mais completa tradução de Rita Lee.

            Bem, em essência, nenhuma pessoa é traduzível, principalmente quando não se deixa dominar por dogmas e doutrinas.

            Mas, se há uma tradução para Rita Lee, ela já estava definida lá nos anos de 1960: mutante, como ela mesma se reconheceu: “Mutante, mudo sempre sozinho, seguindo o meu caminho”.

            Pois é… A mutante, mais uma vez, mudou, desta vez de plano.

            Rita afirmou, certa vez, que estava no colo da mãe natureza.

            Agora, seguramente está, arrombando a festa de quem já estava por lá, gritando “Que flagra!”; quem sabe perguntando se tem guitarra no céu, pois a lira tem suas limitações.

            Rita Lee, você nunca há de nos deixar!

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro e Pesquisador Universitário

Membro da Academia Santista de Letras

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