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“NOVA DIREITA” E COMUNICAÇÃO: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL

“NOVA DIREITA” E COMUNICAÇÃO: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL

Flávio Henrique Calheiros Casimiro*

RESUMO

O termo “Nova Direita” tem sido bastante utilizado em diferentes abordagens para explicar o cenário de ascensão do projeto da extrema-direita no Brasil contemporâneo. A proposta em tela, consiste em refletir sobre tal categoria para sua utilização como recurso didático para o ensino de História. O recurso metodológico foi o de discutir as características e fragilidades da definição de “nova direita” como expressão e resultado das novas tecnologias de comunicação.

Palavras-chave: Nova Direita; Comunicação; Conservadorismo; Ensino de História.

“NEW RIGHT” AND COMMUNICATION: A CONCEPTUAL DISCUSSION FOR THE TEACHING OF BRAZILIAN HISTORY

ABSTRACT

The term “New Right” has been widely used in different approaches to explain the scenario of rise of the far-right project in contemporary Brazil. The proposal in question consists of reflecting on this category for its use as a didactic resource for the teaching of History. The methodological resource was to discuss the characteristics and weaknesses of the definition of “new right” as an expression and result of new communication technologies.

Keywords: New Right; Communication; Conservatism; History Teaching.

Introdução

O termo “nova direita”, vem sendo amplamente utilizado na caracterização de movimentos conservadores e/ou reacionários brasileiros na contemporaneidade, principalmente, após as manifestações populares ocorridas a partir de 2014, que culminaram na ruptura institucional que retirou a presidente Dilma Rousseff (PT) do poder. Diante do cenário de ascensão de um projeto de extrema-direita ao poder, em 2018, e o consequente processo de fascistização que se seguiu, muitas análises e estudos têm sido produzidos na tentativa de trazer alguma explicação para esse movimento reacionário no Brasil.

Por conseguinte, a atual conjuntura e o próprio uso do termo “nova direita” nos remete à necessidade de uma caracterização mais elaborada, no sentido de evitar abordagens reducionistas ou que desconsiderem a sua análise enquanto um processo histórico mais complexo. Tendo como pressuposto tal preocupação metodológica, a proposta aqui consiste em apresentar e debater o conceito de “nova direita”, atribuído ao surgimento de novas tecnologias de comunicação, apontando algumas características importantes que precisam ser consideradas, bem como algumas de suas fragilidades.

2. A “Nova Direita” como expressão das novas tecnologias de comunicação

O termo “Nova Direita” vem sendo utilizado, em diferentes perspectivas, como forma de tentar explicar o avanço de discursos e práticas conservadoras no Brasil contemporâneo. Uma das abordagens bastante recorrentes busca caracterizar essa suposta expressão de uma nova direita às novas tecnologias de comunicação. Como exemplo, as redes sociais (Facebook, Twiter, Instagran, dentre outros) e os aplicativos móveis de comunicação como o WhatsApp e similares.

A transformação de toda vida social diante da criação dessas novas tecnologias de comunicação é algo absolutamente inquestionável. Novos padrões de comportamentos, novas formas de interação e relações sociais do trabalho dentre tantas outras transformações, são resultantes dessas novas tecnologias que, por sua vez, também se transformam constantemente em um processo dialético. Mas a tecnologia não pode ser vista de forma dissociada das relações sociais.

Nesse sentido, em grande parte da construção do atual projeto da extrema-direita, a estratégia esteve centrada no esvaziamento do debate político de sua profundidade em função da reprodução automática e irrefletida de determinados discursos em uma espécie de “memetização” do espaço político. Movimento estratégico que reduz o espaço da defesa de ideias e propostas ao nível da superficialidade das mensagens curtas dos aplicativos móveis e das redes sociais. Nesse sentido, temos a explosão dos chamados memes, “viralizando”informações rasas, acintosamente descontextualizadas, bem como notícias falsas (fake news), em um vertiginoso e contínuo processo deliberado e muito bem estruturado de renovação (CASIMIRO, 2020).

Essa discussão não se trata, obviamente, de uma crítica às inovações tecnológicas no campo das comunicações e as inimagináveis possibilidades que tais avanços proporcionaram e ainda podem proporcionar. Todavia, temos de refletir criticamente quanto aos usos políticos de tais recursos e suas consequências para a democracia, até mesmo como forma de defendê-la.

Por sua vez, essa nova estratégia de atuação política, que se mostrou efetiva e fundamental nos últimos processos eleitorais – não somente no Brasil, como também no exemplo da própria vitória de Donald Trump para a presidência dos EUA, em 2016 –, representou uma marca da campanha vitoriosa de Jair Bolsonaro e seus grupos aliados, em 2018. O importante é ter consciência de que, apesar dessa estratégia de ação política ser extremamente difusa, não pode ser compreendida como meramente espontânea e/ou aleatória.

Se por um lado, existe uma imensa quantidade de materiais, memes, vídeos, frases de efeito, pequenos textos, notícias falsas, descontextualizações de episódios e etc, que são capilarmente reproduzidos, compartilhados e pulverizados por diferentes recursos tecnológicos utilizados por grande parte da sociedade brasileira; por outro, existem estruturas muito bem organizadas e financiadas para criar os mecanismos necessários para sua difusão, assim como aparelhos produtores de tais discursos e recursos variados de atuação política e ideológica.

Muitas dessas matérias convertidas em memes e viralizadas nas supracitadas redes sociais e aplicativos móveis, por sua vez, são conteúdos produzidos e/ou replicados por Blogs representantes de setores da direita, assim como, aparelhos de atuação política e ideológica mais complexos e diversificados em suas estratégias de ação. Essa atuação político-ideológica promovida por essas organizações atinge uma repercussão para além de qualquer controle e estimativa.

Tais discursos caracterizam-se por um conjunto de elementos que traduzem, significativamente, as suas pautas reacionárias, como, por exemplo, a ação desestruturadora, desarticuladora e esvaziadora do significado dos movimentos sociais e trabalhistas. Da mesma forma, temos a deslegitimação de lutas e bandeiras progressistas históricas vinculadas às concepções de liberdades individuais, valores democráticos e aos próprios Direitos Humanos. Também caracterizam-se pelos sistemáticos ataques moralistas violentos sobre tudo o que envolve o debate de gênero e sexualidade, criando distorções e falsificações esdrúxulas.

Assim como podem ser identificados pela perseguição e desqualificação de outros grupos e minorias socialmente desfavorecidas e marginalizadas, sejam pelo componente étnico (desqualificação das lutas e demandas dos povos originários), racial (com ataques racistas à profissionais, construções de biotipos “suspeitos” para justificar a truculência policial sobre a população negra, dentre tantos outros) e social (criminalização da miséria muitas vezes amparada em uma sínica roupagem meritocrática).

Assim, nessas manifestações de ódio tão compartilhadas por meio dos novos recursos tecnológicos de comunicação, fica bastante evidente o ataque sistemático às políticas sociais como se essas fossem causadoras da crise (“bolsa vagabundo”); pelos discursos autoritários, truculentos, (“bandido bom é bandido morto”, “Direitos Humanos é direitos dos manos”), outros muitas vezes carregados de posicionamentos marcadamente preconceituosos, camuflados por uma suposta e conveniente “irreverência” (“Não sou racista ou não sou homofóbico, isso foi apenas uma brincadeira”; “esse mundo ficou chato, não se pode mais brincar”). Como também pela estratégia simbólica de produção de significados em uma espécie de “única” alternativa “verdadeiramente anti-sistêmica”, pautada na refutação da política “tradicional” e, obviamente, nas construções anti-petistas.

Portanto, mesmo assumindo proporções inimagináveis em sua difusão e capilaridade, é importante ter em vista a existência de centros formuladores e deliberadamente organizados para a elaboração e execução de tais mecanismos de ação política. Ou seja, não se trata de uma manifestação espontânea, mas de uma estratégia política e ideológica, mobilizada deliberadamente por determinadas organizações representantes das direitas brasileiras. Sendo assim, o elemento crucial não está no recurso tecnológico em si, mas sim, em quem e como esse recurso está sendo utilizado.

As novas tecnologias representam mecanismos estratégicos amplamente acionados pelas direitas, inclusive a mais reacionária ligada ao chamado bolsonarismo. Entretanto, isso não define uma nova expressão da direita e, tampouco, do movimento reacionário, mas sim um dos seus mecanismos de atuação. Se partirmos do pressuposto de que o que define e caracteriza esse movimento da chamada nova direita seria a revolução das tecnologias de comunicação, cairíamos em um problema de ordem metodológica, onde cada inovação tecnológica pretérita ou futura, que revolucionou ou vier a revolucionar o campo das comunicações e, por sua vez, tiver repercussões importantes no jogo político e ideológico, caracterizaria uma nova expressão política.

3. “Nova Direita” como um novo modus operandi de atuação política e ideológica.

Por conseguinte, este movimento reacionário, que congrega diferentes matrizes do pensamento liberal e conservador, constitui-se como um processo histórico complexo, envolto por uma conjunção de elementos estruturais, no âmbito do capitalismo mundializado, e conjunturais, no sentido das estratégias de atualização da hegemonia burguesa no Brasil, que precisam ser observados não apenas a partir de 2013, mas sim, a partir das últimas três décadas.

O pressuposto aqui defendido é o de que a definição de algo novo e transformador no conjunto das estratégias de atuação que caracterizam a chamada “nova direita” seria o seu novo modus operandi, que passa a ser verificado a partir do processo de redemocratização do país, no final dos anos de 1980 e adquire musculatura nas décadas seguintes. Ou seja, o caráter específico que dá sentido analítico e define a categoria de nova direita, em nossa abordagem, consiste em sua forma de atuação extremamente articulada por meio de suas organizações de ação política e ideológica, em uma sociedade civil cada vez mais complexa, ampliando e funcionalizando a dominação de classe em sua relação intrínseca com o Estado (CASIMIRO, 2018).

4. Considerações Finais

Destaca-se, por fim, que a proposta deste ensaio não foi estabelecer uma categorização rígida e definitiva sobre a noção de nova direita no Brasil. Consistiu, todavia, em tentar demarcar algumas características no sentido de contribuir para a construção coletiva dessa categoria de análise dos processos políticos e ideológicos.

Nesse sentido, a tentativa de circunscrição categórica do termo nova direita, visa sua utilização enquanto recurso analítico e explicativo para as práticas de ensino de história do Brasil contemporâneo. Além disso, representa a própria busca pela compreensão dos elementos que constituem a ascensão conservadora que enfrentamos no Brasil atual.

Referências

CASIMIRO, F. H. C. A Tragédia e a Farsa: ascensão das direitas no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular/Fundação Rosa Luxemburgo, 2020.

CASIMIRO, F. H. C. A Nova Direita: aparelhos de atuação política e ideológica no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Expressão Popular, 2018.


[1] Historiador. Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Instituto Federal do Sul de Minas Gerais  – Campus Poços de Caldas (IFSULDEMINAS). E-mail: flavio.calheiros@ifsuldeminas.edu.br

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