Adilson Luiz Gonçalves Colunistas Crônicas

OUTROS TEMPOS

OUTROS TEMPOS

Por Adilson Luiz Gonçalves

            Estudei em escolas públicas do antigo Primário ao Curso Técnico de Edificações, entre as décadas de 1960 e 70.

            Não precisei fazer o Pré-Primário, pois já tinha sido alfabetizado por meu pai, aos cinco anos de idade. Ele fez isso mesmo trabalhando como eletrotécnico (nível ginasial), manhã e tarde, na antiga SMTC, e como projecionista de cinema, à noite e nos fins de semana. Minha mãe costurava e cuidava dos cinco filhos, e todos ajudavam nas tarefas da casa.

            Na época, havia três escolas estaduais em Santos que eram consideradas diferenciadas: o Canadá, o Primo Ferreira e o Luiza Macuco. Para cursar nelas era necessário passar num exame de admissão. Para entrar no (atual Aristóteles Ferreira), no curso de Edificações, também foi preciso fazer “vestibulinho”, com direito a trote e ficar careca.

            Mesmo no Primário, cursado no Cesário Bastos, escola pública estadual, cabia aos pais comprarem uniformes, material escolar e providenciarem a merenda.

            Meus irmãos, um pouco mais velhos, estudaram o Primário no Olavo Bilac, municipal, que servia pão com banana.

            O Ginásio, depois Primeiro Grau, foi cursado no Primo Ferreira, também estadual, no mesmo esquema.

Para pesquisar, tínhamos a biblioteca da escola, a Municipal, que ficava no primeiro andar do prédio da Prefeitura; e a da USIS – United States Information Service, que ficava em cima do Café Carioca.

Quase ninguém tinha telefone ou bicicleta. Em comum, todos tinham família, muitas das quais eram bem ativas na Associação de Pais e Mestres.

            Respeitávamos os professores, nas aulas. Nos intervalos, jogávamos espeto, no jardim, e futebol de chapinha de refrigerante, no pátio.

Nas férias, íamos voluntariamente à escola, para prepará-la para a voltas às aulas. Nos divertíamos lavando, pintando, assentando placas acústicas na sala de inglês… Vivíamos a escola! Ela nos proporcionava conhecimento a esperança!

Éramos felizes com muito pouco, mas, cheios de sonhos do que queríamos ser.

Não éramos de famílias abastadas, mas elas nos proporcionaram o melhor que podiam: educação. Os sonhos eram nossos, cuidadosamente acalentados. E fomos atrás deles!

Vários de meus colegas do Primo Ferreira – nenhum deles da “turma do fundão” – tiveram sólidas formações acadêmicas e carreiras profissionais, mesmo sendo egressos de escolas públicas e de famílias de posses limitadas.

Todos aprenderam a ser criativos e inovadores, com os poucos recursos que tinham; curaram suas feridas com Merthiolate “hard”; tomaram tubaína, Ki-Suco e groselha; e usaram tênis bamba, sem nunca se sentirem diminuídos com isso.

Mas, a escola era só uma parte de nossas vidas e projetos; e os sonhos não caíam do céu, nem eram roubados de outrem. A vontade não era de tomar, mas de buscar, pelo trabalho e merecimento, alcançar nossos anseios.

Eu e meus irmãos começamos a trabalhar entre 14 e 15 anos de idade. Não era como estagiários ou aprendizes: era trabalho, mesmo, manhã e tarde! A escola era no período noturno.

Aos 17 anos, se eu economizasse 4 meses, daria para comprar um Fusca 0 km! Mas, desde o início, eu já economizava para cursar universidade, pensando no futuro. Foi uma adolescência bem austera, por conta disso.

Procurei, como meus irmãos e colegas de escola, pavimentar meu caminho com a educação que recebi em casa, com os conhecimentos que obtive nos bancos escolares, e com a autonomia adquirida ao longo da vida.

Nada, nunca, foi fácil ou gratuito, mas sempre fruto de empenho e mérito. E não éramos exceção, mas regra!

Os tempos mudaram, muito!

Há facilidades e direitos que superam os deveres. Mérito parece ter virado constrangimento, em vez de motivação à superação.

Com isso, potenciais intelectuais vêm sendo desperdiçados em nome da mediocridade de uma igualdade imposta, de um comodismo limitante, que só gera alienação e dependência.

Eram outros tempos…

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro e Pesquisador Universitário

Membro da Academia Santista de Letras

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