Crônicas Margarete Hülsendeger Margarete Hülsendeger

A JORNADA ANCESTRAL

A JORNADA ANCESTRAL

Meu compromisso é com a fé inabalável e por consequência da humildade dentro e fora do axé. Meu compromisso é com Olorum, Orumilá, Oduduà e todos os Orixás. Meu compromisso não é agradar ninguém e sim manter viva e forte a luz de nossa fé.

Babálòrisá Fábio Ti Sòngó

Por Margarete Hülsendeger

Na rica e complexa tapeçaria das religiões afro-brasileiras, a Umbanda e o Candomblé destacam-se pela reverência aos Orixás, entidades divinas que personificam as forças da natureza, guiam e protegem os seres humanos em sua jornada terrena. Uma das práticas mais conhecidas nessas tradições é a identificação e celebração dos “Orixás do ano” ou “Orixás regentes”, ou seja, as entidades que exercerão algum tipo de influência durante um período específico, no caso, um ano.

Essa tradição remonta às raízes históricas dessas religiões, que têm suas origens nos cultos afro-brasileiros trazidos pelos africanos escravizados durante o período colonial. No Brasil, essas práticas religiosas foram moldadas por uma mistura de influências africanas, indígenas e europeias, resultando em um sistema de crenças complexo e multifacetado. Assim, para os fiéis, celebrar os Orixás do ano é muito mais do que uma tradição religiosa. Cada Orixá trará consigo lições e desafios específicos, tornando-se uma oportunidade para refletir sobre as áreas da vida que precisam de atenção e desenvolvimento, bem como para cultivar virtudes e superar obstáculos.

No entanto, os Orixás regentes não apenas guiam os fiéis em sua busca por equilíbrio; eles também inspiram ações positivas na comunidade. Por meio dos ensinamentos e valores transmitidos por essas divindades, os adeptos da Umbanda e do Candomblé são encorajados a cultivar a caridade, preservar a natureza, combater a violência, a intolerância e a discriminação em todas as suas formas e a celebrar a história e a ancestralidade afro-brasileira. Talvez a prática que mais se aproxima dessa tradição seja a Campanha da Fraternidade, lançada anualmente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no período da Quaresma.

A escolha dos Orixás do ano na Umbanda e no Candomblé é um processo rico em simbolismo e tradição que envolve diversos elementos. Existem, por exemplo, os métodos divinatórios. No Candomblé, o jogo de búzios é frequentemente utilizado para confirmar a escolha dos Orixás do ano, revelando mensagens e orientações específicas para a comunidade. Já na Umbanda, outros métodos como a leitura de cartas ou a consulta aos Orixás, por meio dos médiuns, são empregados. Essa escolha também pode ser o resultado de um processo intuitivo e espiritual, guiado por sonhos, visões e outras formas de comunicação com o divino. Nesse sentido, a sensibilidade e a experiência dos líderes religiosos, ou dos médiuns, são fundamentais para discernir os sinais e as mensagens transmitidas pelos Orixás.

No decorrer do ano os Orixás regentes são homenageados em rituais, oferendas e celebrações. Com essas práticas, os devotos buscam alinhar suas vidas com as energias e ensinamentos dos Orixás, buscando harmonia e crescimento espiritual. Em 2023, Oxum, a Senhora das Águas Doces, foi um dos Orixás regentes representando a prosperidade, a beleza e o amor. Sua energia suave e acolhedora proporcionou cura, paz e esperança em meio às dificuldades. Além disso, inspirada pela energia de Oxum, intensificou-se a busca por alternativas de cura natural e holística.

Já, em 2024, segundo as crenças da Umbanda e do Candomblé, três Orixás ocupam uma posição de destaque: Xapanã, Exu e Iemanjá. Xapanã – ou Omolu – é associado à cura e à transformação, sendo o responsável pelo cuidado das enfermidades em todos os seus aspectos (físico, mental e espiritual). Sua energia purificadora estimulará a saída da zona de conforto, a superação de desafios pessoais e a busca por renovação.

Exu, o mensageiro entre os mundos espiritual e material, também desempenha um papel relevante. Sua influência é vista como aquela que abre caminhos, promove mudanças e estimula a comunicação. No ano de 2024, a energia de Exu pode impulsionar iniciativas e novas oportunidades.

Iemanjá, a Mãe das águas salgadas, é reverenciada por sua conexão com as emoções, a fertilidade e a proteção. Sua presença no ano de 2024 sugere um período propício para lidar com questões familiares, emocionais e de intuição. Além disso, Iemanjá é vista como protetora dos mares, destacando a importância da preservação ambiental e do equilíbrio ecológico.

Pode-se dizer que os Orixás do ano não apenas representam energias e qualidades específicas, mas também se transformam em guias espirituais que podem impactar diretamente a vida das pessoas e até mesmo do planeta. Para os umbandistas e candomblecistas, a compreensão e a reverência a essas divindades são fundamentais para buscar alinhamento espiritual, equilíbrio e crescimento pessoal. Eles são parte de uma tradição rica e profundamente enraizada na história e na cultura do povo brasileiro, carregando consigo o legado de seus ancestrais e a sabedoria acumulada ao longo dos séculos.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

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