Cultura Livros Margarete Hülsendeger Resenha

HISTÓRIA REIMAGINADA

Todos sabem fazer história, mas só os grandes sabem escrevê-la.

Oscar Wilde

Por Margarete Hülsendeger

Ruy Castro é um renomado escritor e jornalista brasileiro, conhecido por sua versatilidade e talento em explorar diversos gêneros literários. Autor de livros conhecidos como Estrela Solitária: Um Brasileiro Chamado Garrincha (Prêmio Jabuti, em 1996) e Carmem. Uma biografia (2005), Castro possui uma extensa lista de obras que abrangem desde biografias até ficção histórica. Sua habilidade em recriar o contexto histórico e social de diferentes épocas é evidente em toda a sua produção literária, demonstrando um profundo compromisso com a pesquisa e a autenticidade.

Em Os perigos do Imperador[1], Castro mais uma vez demonstra sua maestria ao combinar ficção e história de maneira cativante. A obra parte de um episódio verídico – a viagem de D. Pedro II aos Estados Unidos em 1876 – e imagina um cenário de conspirações e perigos em torno do monarca brasileiro. Ao longo do livro, Castro tece uma narrativa intrincada que entrelaça eventos reais com elementos ficcionais, criando uma trama envolvente que mantém o leitor absorto do início ao fim. Como o autor explica, sua função no livro, a partir da pesquisa realizada, foi “selecionar, traduzir e costurar esse material, dando o devido crédito a quem era de direito”. Para Castro, é uma história contada, na maior parte do tempo, por seus personagens, com exceção dos poucos textos assinados pelo Narrador (o próprio autor), recurso utilizado para preencher lacunas e fazer a narrativa fluir.

Uma das características mais marcantes de Os perigos do Imperador é a sua capacidade de oferecer uma visão vívida e imersiva do Brasil do século XIX. Por meio de uma pesquisa meticulosa e uma narrativa habilmente elaborada, o autor recria a atmosfera política e social da época, apresentando ao leitor um panorama detalhado e autêntico. Nesse sentido, os trechos do diário de Dom Pedro II, assim como as notícias de jornais da época, são exemplos de como o autor manipula as informações para dar mais veracidade à sua narrativa. Ao mesmo tempo, Castro utiliza a imaginação e criatividade para preencher os espaços em branco da história, criando personagens fictícios e situações intrigantes que se encaixam perfeitamente no contexto histórico. A figura do repórter James J. O’Kelly e suas matérias para o jornal americano New York Herald, antes e durante a viajem do Imperador, dão o colorido necessário a uma história cheia de humor e ironia.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Além de oferecer uma visão romanceada de eventos reais, o livro também lança luz sobre questões políticas e sociais relevantes do período. Ao recriar o contexto histórico e social do Segundo Reinado, Castro aproveita para explorar temas como a ascensão do movimento republicano e a crise da monarquia; a questão da escravidão e a luta pela abolição; as tensões sociais e políticas da época; os costumes e valores da sociedade brasileira do século XIX. Do mesmo modo, fica evidente o papel da imprensa na formação da opinião pública, com diversos jornais adotando posturas a favor ou contra o Imperador e, consequentemente, favorecendo, ou não, a continuidade da monarquia. Essa interação entre fantasia e realidade não apenas enriquece a trama, como também convida o leitor a refletir sobre os limites da narrativa histórica e a natureza da memória coletiva.

Os Perigos do Imperador é uma obra que exemplifica o talento e a versatilidade de Ruy Castro como escritor. A riqueza de detalhes, a construção de personagens complexos e a trama instigante fazem deste romance uma leitura imperdível para quem se interessa pela história do Brasil, pela literatura de qualidade e por um bom suspense. Castro nos presenteia com um romance fascinante que nos transporta para um período significativo da história do Brasil, oferecendo uma visão única dos bastidores do poder e da conspiração.

Ao revisitar acontecimentos históricos, Os Perigos do Imperador não só reconta o passado, mas também propõe uma reflexão sobre questões atemporais, tais como a luta pela liberdade, as disparidades sociais e o papel do Estado. Essas questões, ainda pertinentes na atualidade, reforçam a relevância do romance para os leitores contemporâneos. Mais do que um romance histórico, esta obra é um convite à reflexão sobre as lições do passado, os desafios do presente e as possibilidades para o futuro do Brasil.


[1] CASTRO, Ruy. Os perigos do Imperador: um romance do Segundo Reinado. São Paulo: Companhia das letras, 2022.

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