Crônicas Margarete Hülsendeger

O apocalipse é agora?

Albrecht Dürer – Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse.

O APOCALIPSE É AGORA?

Margarete Hülsendeger

 

O futuro, meu filho, é um país que não se pode visitar.

Mia Couto (Contos do Nascer da Terra)

 

Antes mesmo do início do novo ano as previsões sobre o que poderia ou não acontecer já tinham começado. E o cenário que se desenhava era o mais terrível possível. Tudo de pior estava fadado a ocorrer: mortes, guerras, doenças e, talvez, com alguma “sorte”, um evento natural de grandes proporções.

Não vou negar que, ao ouvir sobre essas previsões, também acabei deixando-me levar por elas. Afinal, ao contrário de outros anos, em vez de uma atmosfera repleta de bons pensamentos ou boas energias, o que se percebia era um negativismo beirando ao fúnebre. A impressão geral era que 2014 estava nascendo debaixo de uma péssima estrela.

E, realmente, se assistirmos à TV, ouvirmos o rádio ou lermos as notícias que “enfeitam” os cabeçalhos das revistas e jornais encontraremos um número considerável de ocorrências violentas e sem sentido que contribuem para deixar as pessoas atônitas e, obviamente, assustadas, perguntando-se se não estamos às portas do apocalipse. De minha parte, mesmo estando preocupada, não consigo acreditar que estejamos a um passo do “fim dos tempos”.

Na verdade, prefiro crer que estamos apenas experimentando o final de um ciclo. Final que nada tem a ver com o aniquilamento do planeta e, consequentemente, do ser humano. E, por favor, não me entendam mal. Não estou querendo diminuir a gravidade dos conflitos que têm deixado as pessoas apavoradas, limito-me apenas a informar que nada do que está ocorrendo é uma novidade. Muito pelo contrário.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) aproximadamente 70 milhões de pessoas, entre civis e militares, foram mortas. Antes dela, na Primeira Guerra (1914-1918), o número de mortes, apesar de menor, chegou à marca dos nove milhões. E se formos pensar nos conflitos que ocorrerem antes e depois dessas duas guerras nos depararemos com um número ainda maior de vítimas. Conclusão: a humanidade nunca conheceu um período de paz absoluta. Sempre estivemos envolvidos em algum tipo de carnificina. O que me leva a perguntar: porque agora parece diferente?

Alguns poderiam responder, “As armas são mais letais”. Sim, concordo. Uma guerra nuclear seria o nosso fim. O problema é que seria o fim de todos, inclusive daqueles que a provocaram. Portanto, apesar de também temer esse cenário, nego-me a acreditar que ele seja possível. O estrago seria muito grande e os benefícios, inexistentes.

Então, por que sentimos como se o fim da humanidade estivesse próximo?

Meu palpite é que hoje tudo parece pior porque acompanhamos em tempo real os fatos que se passam pelo mundo. Se uma batalha está ocorrendo na Ucrânia, em questão de segundos imagens estarão sendo disponibilizadas no You Tube. Se manifestantes são presos na Venezuela, na Rússia ou em São Paulo, o simples apertar de um botão nos permite acessar, praticamente no mesmo instante, o fato enquanto ele está acontecendo. Agora tudo é instantâneo. Não temos mais tempo para digerir uma informação e muito menos nos adaptar a ela. E é justamente esse aspecto da vida moderna que gera, em minha opinião, esses sentimentos opressivos de insegurança e incerteza.

No entanto, apesar de também me sentir afligida quando assisto à TV ou leio o jornal, não acredito que isso seja o sinal de algum apocalipse cósmico. Se formos pensar bem, os quatro cavaleiros do apocalipse – Peste, Guerra, Fome e Morte – já andam soltos entre nós há algum tempo, a diferença é que agora eles podem ser acessados via internet. É possível vê-los correr em um site de notícias on-line ou em vídeos do You Tube.

Portanto, a pergunta que se impõem é: o que fazer com essa sensação angustiante de que, a qualquer momento, estaremos enfrentando o fim do mundo como o conhecemos?

É óbvio que não existem respostas simples para esse tipo de pergunta. Filósofos vêm discutido essa questão há muito tempo sem terem chegado a uma conclusão satisfatória. Contudo, como não sou filósofa, posso me arriscar a fazer algumas sugestões.

Os religiosos, por exemplo, podem rezar. Eles podem pedir para que esse ciclo (partindo do princípio de que é um ciclo) se encerre da forma mais branda possível, de preferência sem o aniquilamento da humanidade. Já para os que não são religiosos e, portanto, não acreditam em nada sobrenatural, talvez a saída seja a boa e velha reflexão. Refletir sobre como estamos tratando, não só o planeta, mas também a nós mesmos. E, principalmente, refletir sobre o tipo de futuro que queremos deixar para os nossos filhos.

Rezar ou refletir, eis a questão? Na verdade, se pensarmos bem, as duas sugestões ao final representam a mesma coisa, ou seja, uma tomada profunda de consciência sobre o tipo de pessoas que queremos ser. Mas, se por um acaso nenhuma dessas alternativas o agradar, é sempre possível seguir o conselho do poeta Mario Quintana: viver a vida dia a dia porque assim a vida jamais cansa e tudo pode recomeçar. E são os recomeços que tornam a existência interessante, independente de prognósticos ou previsões apocalípticas.

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