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Pobreza, a próxima fronteira na luta pelos direitos humanos

Carlos Eduardo de Mira Costa 1

Carlos Eduardo de Mira Costa -Professor de Administração. Especialista em Gestão de Negócios pela Universidade Braz Cubas. E-mail: cadumira@gmail.com

O objetivo deste artigo é propor uma reflexão a respeito da pobreza como violação de direitos humanos. Para tanto, preliminarmente, será enfocada a concepção contemporânea de direitos humanos, à luz do sistema internacional de proteção, avaliando-se o seu perfil, os seus objetivos, e sua lógica.

O sistema internacional de proteção dos direitos humanos constitui o legado maior da chamada “Era dos Direitos”, que tem permitido a internacionalização dos direitos humanos e a humanização do Direito Internacional contemporâneo, como atenta Thomas Buergenthal (1988). Considerando esta concepção, indaga-se: constituiria a pobreza uma forma de violação aos direitos humanos?

Os direitos humanos são os direitos e liberdades básicos de todos os seres humanos. Normalmente o conceito de direitos humanos tem a ideia também de liberdade de pensamento e de expressão, e a igualdade perante a lei.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas afirma que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” (Artigo 1º Declaração Universal dos Direitos do Homem).

Para Norberto Bobbio (1992) os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Os direitos humanos ou coletivos são aqueles adquiridos em decorrência do resultado de uma longa história, foram debatidos ao longo dos séculos por filósofos e juristas.

O início desta caminhada, remete-nos para a área da religião, quando o Cristianismo, durante a Idade Média, foi a afirmação da defesa da igualdade de todos os homens numa mesma dignidade. Foi também durante esta época que os matemáticos cristãos recolheram e desenvolveram a teoria do direito natural, em que o indivíduo está no centro de uma ordem social e jurídica justa, mas a lei divina tem prevalência sobre o direito laico tal como é definido pelo imperador, o  rei ou o príncipe. Logo foram criadas muitas teorias no decorrer do tempo.

Com a idade moderna, os racionalistas dos séculos XVII e XVIII, reformulam as teorias do direito natural, deixando de estar submetido a uma ordem divina. Para os racionalistas todos os homens são por natureza livres e têm certos direitos inatos de que não podem ser despojados quando entram em sociedade. Foi esta corrente de pensamento que acabou por inspirar o atual sistema internacional de proteção dos direitos do homem.

A evolução destas correntes veio a dar frutos pela primeira vez em Inglaterra, e depois nos Estados Unidos. A Magna Carta (1215) deu garantias contra a arbitrariedade da Coroa, e influenciou diversos documentos, como por exemplo o Acto Habeas Corpus (1679), que foi a primeira tentativa para impedir as detenções ilegais. A Declaração Americana da Independência surgiu a 4 de Julho de 1776, onde constavam os direitos naturais do ser humano que o poder político deve respeitar, esta declaração teve como base a Declaração de Virgínia proclamada a 12 de Junho de 1776, onde estava expressa a noção de direitos individuais.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada na França em 1789, e as reivindicações ao longo dos séculos XIV e XV em prol das liberdades, alargou o campo dos direitos humanos e definiu os direitos econômicos e sociais.

Mas o momento mais importante, na história dos Direitos do Homem, é durante 1945-1948. Em 1945, os Estados tomam consciência das tragédias e atrocidades vividas durante a 2ª Guerra Mundial, o que os levou a criar a Organização das Nações Unidas (ONU) em prol de estabelecer e manter a paz no mundo.

Foi através da Carta das Nações Unidas, assinada a 20 de Junho de 1945, que os povos exprimiram a sua determinação em preservar as gerações futuras do flagelo da guerra; proclamar a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade de direitos entre homens e mulheres, assim como das nações, grande e pequenas; em promover o progresso social e instaurar melhores condições de vida numa maior liberdade. A criação das Nações Unidas simboliza a necessidade de um mundo de tolerância, de paz, de solidariedade entre as nações, que faça avançar o progresso social e econômico de todos os povos.

Os principais objetivos das Nações Unidas passam por manter a paz, a segurança internacional, desenvolver relações amigáveis entre as nações, realizar a cooperação internacional resolvendo problemas internacionais do cariz econômico, social, intelectual e humanitário, desenvolver e encorajar o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais sem qualquer tipo de distinção.

Assim, a 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é fundamental na nossa Sociedade, pois quase todos os documentos relativos aos direitos humanos têm como referência esta Declaração e, alguns Estados, fazem referência direta nas suas constituições nacionais.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos ganhou uma importância extraordinária, contudo não obriga juridicamente que todos os Estados a respeitem e, devido a isso, a partir do momento em que foi promulgada, foi necessária a preparação de inúmeros documentos que especificassem os direitos presentes na declaração e assim forçam-se os Estados a cumpri-la. Foi nesse contexto que, no período entre 1945-1966 nasceram vários documentos.

Assim, a junção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os dois pactos efetuados em 1966, nomeadamente O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, bem como os dois protocolos facultativos do Pacto dos Direitos Civis e Políticos (que em 1989 aboliu a pena de morte), constituem A Carta Internacional dos Direitos do Homem.

Considerando a historicidade destes direitos, pode-se afirmar que a definição de direitos humanos aponta a uma pluralidade de significados. Tendo em vista tal pluralidade, destaca-se, neste estudo, a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida com o advento da Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993.

Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo.

“Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, assistência médica e os serviços sociais indispensáveis…”. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 25, adotada e proclamada pela resolução 217 A, III, da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948).

A pobreza, resultado da combinação de fatores socioeconômicos e políticos diversos, revela-se uma das mais perversas – e históricas – faces da desigualdade social que vem exigindo, para além da identificação de suas causas, a descoberta de alternativas criativas para sua superação. Seja qual for o caminho a ser escolhido, sabemos que, tanto no Brasil como em todo o mundo, esse desafio passa pela igualmente desafiadora viabilização da inclusão social.

A exclusão social não é fruto tão-somente da insuficiência de renda, ainda que, sem gerar e distribuir a renda de forma mais equânime, para que todo cidadão possa ter acesso a bens privados e a serviços públicos essenciais, será difícil pensar que a pobreza será superada, e ainda mais distante ficará o desenvolvimento social e humano. Ações de combate à pobreza cujo alvo esteja centrado em sua definição apenas com base em aspectos econômicos não podem gerar resultados satisfatórios.

Como a pobreza é privação de capacidades básicas, ela jamais deveria ser medida apenas com estatísticas de insuficiência de renda. É pobre mesmo quem tem renda superior ao critério de corte (“linha de pobreza”) se não puder convertê-la em vida decente. Por falta de saúde ou de educação ou outras carências.

Essa conclusão se apoia na imensa quantidade de minuciosas pesquisas feitas por equipes de primeira linha junto às populações mais desvalidas do mundo. Foram sintetizadas no livro “Desenvolvimento como liberdade”, do prêmio Nobel Amartya Sen (Companhia de Letras, 2000). Principalmente no quarto capítulo, intitulado “Pobreza como privação de capacidades”.

Para José Eli da Veiga, a erradicação da pobreza, foco dos atuais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), não garante redução de desigualdades, pois tudo depende da concomitante evolução dos padrões de vida das camadas sociais que já não eram pobres. Minimizar o número de pobres não impede que a desigualdade de renda até aumente se forem superiores os saltos dos demais estratos de renda. Além disso, mesmo a redução de algumas desigualdades pode ser anulada pelo aumento de outras.

“Um dos grandes problemas atuais é o consenso do combate à pobreza como uma prioridade”, afirma José Eli da Veiga. Segundo ele, diferentemente do consenso que há nas grandes agências e organizações, como a ONU, combater a pobreza não necessariamente significa reduzir as desigualdades, elas são brutais no mundo e estão cada vez mais altas.

A pobreza para Amartya Sen, não é simplesmente a falta ou poucos rendimentos dos indivíduos, e sim a privação de suas potencialidades. Estas variações dependem de outros fatores como: papéis sociais, idade, localização da moradia, entre outros. Sendo assim nem sempre indivíduos que vivem em países considerados ricos, que possuem rendimentos maiores que moradores de países considerados pobres, possuem mais liberdade, já que “ser pobre me um país rico pode ser uma grande desvantagem em capacidade, mesmo quando a renda absoluta da pessoa é mais elevada pelos padrões mundiais.” (SEN, 2000, p.111).

Amartya Sen no livro Desenvolvimento como Liberdade apresenta os seguintes argumentos em favor da pobreza como privação das capacidades:

  • – Concentra-se em privações que são intrinsecamente importantes;
  • – Existem outras influências sobre a privação de capacidades além da renda;
  • – A relação instrumental entre baixa capacidade é variável entrecomunidades e até mesmo entre famílias e indivíduos, no que se refere às razões para variações condicionais, é enfatizado por Sen:
  1. a relação entre renda e capacidade, que seria afetada pela idade da pessoa, pelos papéis sociais, pela localização, pelas condições epistemológicas e por outras variações sobre as quais a pessoa pode não ter controle apenas limitado;
  2. a possibilidade de certo “acoplamento” de desvantagens como idade, incapacidade ou doença reduzem o potencial do indivíduo para receber renda, tornando cada vez mais difícil converter renda em capacidade;
  3. a distribuição dentro da família, na medida em que o grau de privação dos membros negligenciados pode não se refletir adequadamente pela renda familiar;
  4. a privação relativa de rendas pode resultar em privação absoluta de capacidades, pois as dificuldades que alguns grupos de pessoas enfrentam para “participar da vida da comunidade” podem ser cruciais para qualquer estudo de “exclusão social, induzindo demandas por equipamentos modernos, por

Desta maneira, a perspectiva da capacidade da análise da pobreza pretende melhorar o entendimento da natureza e das causas da pobreza e da privação ao desviar atenção dos meios para os fins que as pessoas têm razão para buscar e as liberdades de poder alcançar tais fins.

Amartya Sen faz uma crítica em que a pobreza deve ser vista como uma privação das capacidades básicas e não apenas como baixa renda, Sen se baseia em estudos na Europa e América do Norte.

José Eli da Veiga, por sua vez, afirma que a pobreza não será erradicada tão cedo como muitos imaginam. A sua perspectiva de análise não leva em consideração apenas o quesito renda monetária como indicador do fenômeno em questão. Isso não quer dizer que a variável renda seja excluída dos métodos de mensurar o fenômeno em questão.

Portanto, não basta estabelecer uma linha divisória em termos de renda monetária para decifrar o fenômeno da pobreza e assim descobrir o antídoto para a sua erradicação. Diversos estudiosos pensam que entre as linhas divisórias da pobreza, ou das pobrezas, há muitos problemas nem sempre observados na formulação das políticas de sua erradicação.

Nessa direção, Veiga traz para o círculo de discussão a idéia de Amartya Sen, expostas na obra “Desenvolvimento como liberdade” na qual a privação das capacidades básicas do indivíduo levar uma vida decente e com liberdade conduz este individuo ao status de pobre, mesmo se tiver boa renda.

Desenvolvimento como liberdade é uma excelente obra, desafia os estudiosos, formuladores e executores de políticas de desenvolvimento e erradicação da pobreza. Como disse José Eli da Veiga, no artigo “Osso muito duro de roer”, a ideia de que a pobreza é também fruto da privação das liberdades substantivas dos indivíduos “resulta de imensa quantidade de minuciosas pesquisas feitas por equipes de primeira linha junto às populações mais diversas do mundo”. Não é “achismo”, são pesquisas sociais bem fundamentadas.

Na linha de compreensão da pobreza como privações de necessidades básicas, Veiga chama a atenção para o processo de privação vivido por mais de 56% da população da brasileira: a privação do acesso à rede de esgotamento sanitário. A falta de esgoto é a responsável por grande parte de infecções parasitárias na infância.

O exemplo da privação de acesso aos serviços de esgotamento sanitário conduziu o autor a fazer uma análise fundamentada num artigo do médico Dráuzio Varela: “Inteligência e pobreza”, publicado na Folha de São Paulo em 11/09/2010.

O artigo Inteligência e pobreza trata de evidenciar o comprometimento do cérebro humano por causa das infecções. Elas são responsáveis pelos desvios da energia do cérebro para ativar o sistema imunológico. É o que ocorre com milhares de crianças pobres que até brincam nas águas correntes dos esgotos a céu aberto.

José Eli da Veiga informa que “repetidas diarreias até os cinco anos roubam do cérebro as calorias necessárias a seu desenvolvimento, comprometendo a Inteligência para sempre”.

Os fundamentos da descrença de José Eli da Veiga de que a presidente Dilma não conseguirá erradicar a pobreza estão fundamentadas numa noção de desenvolvimento bem elaborada por Amartya Sen, que eu concordo: “o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que pessoas desfrutam”. Este enfoque contrasta com as visões mais restritas de desenvolvimento, baseadas apenas no crescimento da renda.

Enquanto a pobreza for vista como um déficit quantitativo e natural a ser sanado, a vontade política de erradicá-la não será mobilizada. A pobreza só  chegará ao fim quando for vista como uma violação dos direitos humanos e, como tal, abolida.

Quando a pobreza é definida em termos relativos, ela, imediatamente, passa a ser infindável e incurável. Somos forçados, simultaneamente, a tolerar indefinidamente sua existência e a esgotar, em vão, incontáveis recursos na tentativa de minorá-la.

A causa da persistência da pobreza não são apenas governos incompetentes ou corruptos, e insensíveis à sorte de sua população. Fundamentalmente, a  pobreza não pode ser definida como um padrão de vida, ou como determinados tipos de condições de vida: ela é, simultaneamente, a causa e o efeito da sonegação, total ou parcial, dos direitos humanos.

Das cinco famílias de direitos humanos – cívicos, políticos, culturais, econômicos e sociais – proclamados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem como inerentes à pessoa humana, a pobreza consiste numa violação do quinto, sempre; do quarto, em geral; muitas vezes do terceiro e, às vezes, até mesmo do segundo e do primeiro.

Reciprocamente, a violação sistemática de qualquer um desses direitos rapidamente degenera em pobreza. Como foi reconhecido na Conferência Internacional sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, há um vínculo orgânico entre pobreza e violação dos direitos humanos. No entanto, os direitos humanos são inalienáveis e inseparáveis. Sua violação é uma infração fundamental da dignidade humana como um todo.

Se a pobreza fosse declarada abolida, como de fato deveria ser, por consistir numa violação maciça, sistemática e contínua dos direitos humanos, sua persistência deixaria de ser vista como uma lamentável característica da natureza das coisas, vendo-se transformada numa negação da justiça. O ônus da prova mudaria de mãos. Os pobres, uma vez reconhecidos como a parte prejudicada, obteriam o direito de indenização, pela qual os governos, a comunidade internacional e cada cidadão seriam conjuntamente responsáveis. Gerar-se-ia, assim, um forte interesse na eliminação urgente das bases dessa responsabilidade, sendo de se esperar que esse interesse viesse a desencadear forças muito mais poderosas que aquelas que a compaixão, a caridade ou mesmo a preocupação com a própria segurança são capazes de mobilizar, em benefício alheio.

Com a concessão de direitos aos pobres, a abolição da pobreza não faria com que a pobreza desaparecesse da noite para o dia. Seriam criadas, contudo, as condições para que a causa da erradicação da pobreza fosse elevada à condição de prioridade mais alta e de interesse comum a todos – deixando de ser apenas uma preocupação secundária dos mais esclarecidos ou dos meramente caridosos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BUERGENTHAL,    Thomas.   International     human     rights.    Minnesota:    West Publishing, 1988.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia de Letras, 2000.

VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento Sustentável – o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

 

1 COSTA, C. E. M. Professor de Administração. Especialista em Gestão de Negócios pela Universidade Braz Cubas. E-mail: cadumira@gmail.com

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