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OPPENHEIMER – CIÊNCIA E ARREPENDIMENTO – PARTE II

OPPENHEIMER – CIÊNCIA E ARREPENDIMENTO – PARTE II

Por Adilson Luiz Gonçalves

A URSS mantinha seu projeto expansionista, espalhando o comunismo pela China, pela Indochina, pelas Américas, pela África… O colonialismo entrou em declínio por conta disso.

Theodore Hall, um dos cientistas do Projeto Manhattan teria vazado informações sobre a bomba para os soviéticos. Porém, os próprios EUA consideravam que a URSS em pouco tempo desenvolveria a tecnologia necessária. Só não contavam que a aceleração viria de compatriotas. Hall era um espião soviético, que viveu até 1999, considerado por alguns como um pacifista, por proporcionar um equilíbrio de poder. Mas foram Julius e Ethel Rosemberg que “pagaram o pato”, executados em 19 de junho de 1953, como “bodes expiatórios”, já em pleno macartismo.

Assim, antecipando as previsões, em 29 de agosto de 1949, a URSS detonou sua primeira bomba atômica, que também teve um “pai” posteriormente arrependido: Andrei Sakharov. E não ficou por aí:

Em 30 de outubro de 1961, a URSS explodiu, numa ilha do Oceano Ártico, a Tsar Bomba, de hidrogênio, considerada a mais potente já produzida.

É óbvio que havia pressão estatal sobre cientistas, obrigados pela doutrinação ou ameaças. Mas também os que precisavam provar que eram capazes de superar desafios, sem medir consequências, por curiosidade científica, lucro ou vaidade pessoal, quem sabe.

O arrependimento não era coisa recente, pois Alfred Nobel, criador da dinamite, também se arrependeu do uso militar de seu invento. Esse arrependimento foi expresso na criação do prêmio que leva seu nome. Não consta que um cientista inventor de meios de destruição tenha sido agraciado com tal láurea, até hoje, apesar de alguns guerreiros que se emendaram o terem recebido.

No entanto, a saga dos cientistas desenvolvedores de instrumentos de destruição em massa prosseguiu, tanto na área da guerra convencional como da química e biológica. Mas esse texto é sobre a guerra nuclear.

O Reino Unido explodiu sua primeira bomba atômica, a “Hurricane”, em 03 de outubro de 1952.

A França não poderia ficar atrás, até para tentar manter seu status histórico e sua independência, como nação. Assim foi que também teve um progenitor dessa obra demoníaca: Louis Leprince-Ringuet.

A primeira bomba atômica francesa também tinha um apelido: Gerboise Bleue. Ela foi detonada em 13 de fevereiro de 1960 na Argélia, então um departamento francês.

Conheci Leprince-Ringuet em 1986, num evento em Aix-em-Provence: um simpático idoso que criticou, em sua palestra, o que considerava um retrocesso tecnológico da França, com direito a uma performance de cena similar ao moonwalk de Michael Jackson. Curiosamente, conclamava que o país voltasse a produzir motocicletas.

Não procurei encontrar nomes de outros cientistas obstinados ou pressionados a desenvolverem artefatos nucleares. Também não sei se eles apertariam os botões de lançamento, ou pensaram que estavam produzindo armas apenas para dissuasão, para não serem usadas. O problema, como sempre, está nas intenções do “cliente”.

Quando Fidel Castro tomou o poder em Cuba, os EUA se mobilizaram para conter a expansão do comunismo em seu “quintal”. Imediatamente, a URSS tratou de encaminhar mísseis nucleares para a ilha. Foi a crise dos mísseis de Cuba, em 1962.

Kennedy ameaçou Kruschev, afirmando que dispunha de arsenal para destruir a URSS várias vezes, enquanto os soviéticos detinham o suficiente para arrasar os EUA apenas uma vez. Em resposta, o Kruschev respondeu que destruir os EUA uma vez já seria suficiente. Papo de doido…

O curioso é que, enquanto Kruschev negociava com Kennedy, tentando evitar o que muitos consideravam o fim do mundo, Fidel insistia em lançar os mísseis de pronto.

Superada a crise, a escalada assimétrica prosseguiu, a todo vapor nuclear, cada país também querendo possuir seu arsenal nuclear.

O filme “O Rato que ruge” (Reino Unido, 1959) é um exemplo, em tom de comédia, do que representa o poderio nuclear independentemente do país que o detém.

A China entrou para o “seleto” grupo em 16 de outubro de 1964.

A Índia detonou sua Smiling Buddha, em 18 de maio de 1974. Duvido que Buda tenha sorrido com tal denominação esdrúxula.

Logo ao lado, o muçulmano Paquistão demorou um pouco mais para equilibrar a balança, em 1998, o que não impediu que, até hoje, um lado e outro troquem artilharia pesada na região fronteiriça de Kashmir, para lembrar que têm tropas ali.

A Coreia do Norte entrou no grupo em 2006.

Alguns acordos tentaram conter essa escalada assimétrica, tais como: o Test Ban Treaty (TBT), que tentou banir testes nucleares na atmosfera, água e espaço; o Non-Proliferation Treaty (NPT, 1968), que “vetou” a entrada de novos países no ”Clube Nuclear”; o Strategic Arms Limitation Talks – Salt I (1972) e Salt II (1974, ratificado em 1979), objetivando conter a proliferação de armas nucleares; o Comprehensive Nuclear Test Ban Treaty (CTBT, 1996), que visava a proibição total de testes nucleares; e Treaty on Strategic Offensive Reductions (SORT, 2002), esse celebrado entre EUA e Rússia, para redução de seus arsenais nucleares.

As expectativas recorrentes nesses tratados são: não-proliferação, desarmamento e uso pacífico da energia nuclear. Porém, o resultado prático foi assegurar o poder bélico nuclear aos países que já o haviam alcançado. Isso não impediu que não signatários – e mesmo os signatários – desenvolvessem seus programas nucleares bélicos, casos de Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte, por exemplo.

Isso também não impediu que fossem produzidas bombas sujas, bombas de nêutrons, bombas de fusão nuclear (a mais temível de todas, tipo Tsar Bomba) e bombas de fissão nuclear.

O Estado de Israel, além de contar com arsenal nuclear, também atua “cirurgicamente” para evitar qualquer tentativa semelhante, por parte de seus inimigos mais próximos.

O fato é que quem entra no “clube” não sai mais, ao que consta. E quem não faz parte, “esconde o jogo”.

O terrorismo e a ganância dos “mercadores da morte” e seus cientistas de plantão, oportunistas ou ideologicamente ou religiosamente engajados, também geram dúvidas se outros países ou grupos disporiam desse tipo de armamento.

O filme “A soma de todos os medos” (EUA, 2002) – mais um com o personagem fictício Jack Ryan, criado por Tom Clancy –, entre outros, aborda essa possibilidade.

A ONU dispõe de mecanismos de controle dos tratados em vigor. Também dispõe de um Conselho de Segurança, composto por 15 membros, sendo 5 permanentes, a saber: EUA, Rússia (antes URSS), China, Reino Unido e França, coincidentemente os primeiros países a possuir artefatos nucleares. Os outros 10 são rotativos. O Brasil pleiteia um assento permanente. Seria o único de fora do “clube”. Seria?

Consta que o primeiro reator nuclear instalado no Brasil foi IEA-R1, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), no Campus Butantã da USP, em 1956, ainda em operação.

Em 1968, a Argentina adquiriu uma usina nuclear da Alemanha, que entrou em plena operação em 1974, sob governo militar. O Brasil, também em 1968 e igualmente sob regime militar, para “equilibrar” o cenário regional, também definiu pela construção de uma usina nuclear em Angra dos Reis e, em 1975, celebrou um acordo nuclear com a Alemanha.

O risco de uma escalada assimétrica também existe fora do Hemisfério Norte.

No entanto, para produzir a matéria-prima necessária para construir um artefato bélico nuclear é preciso dominar a tecnologia de enriquecimento do material radioativo. Esse material é o mesmo utilizado como combustível de usinas nucleares.

O Brasil já detém essa tecnologia (ultracentrífugas) e produz urânio isotópico enriquecido na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), em Rezende/RJ.

A Marinha do Brasil, que participou do desenvolvimento dessa tecnologia, também vem evoluindo o projeto do submarino de ataque movido a energia nuclear, já batizado SN-10 Álvaro Alberto.

O Programa Espacial Brasileiro sofreu um duríssimo golpe em 2003, quando da explosão do Veículo Lançador de Satélites – VLS-1, ocorrida na Base de Alcântara/MA. A tecnologia envolvida também serviria para a construção de mísseis de longo alcance? Isso contribuiria para que o Brasil deixasse de ser considerado um “quintal”, “república de bananas” ou outra condição subalterna aos interesses estratégicos e econômicos de “A” ou “B”?

Considerando os discursos de países desenvolvidos, sobretudo alguns membros permanentes ocidentais do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil, por suas dimensões territoriais, população e recursos naturais, talvez seja o país que mais necessite dispor de poder dissuasório, em vez de ficar balançando entre potências mundiais antagônicas, de acordo com o governo da vez.

Isso quer dizer que precisamos de uma arsenal bélico nuclear?

Seguramente isso seria mais combustível nessa escalada assimétrica insana.

Para se ter uma ideia aproximada dessa insanidade, segundo a Federation of American Scientists, em 2022, a quantidade estimada de ogivas nucleares por país era de: 5.977, na Rússia; 5.943, na OTAN; 350, na China; 165, no Paquistão; 160, na Índia; 90, em Israel; 20, na Coreia do Norte, totalizando 12.705! E já foi muito mais do que isso!

Até hoje, apenas os EUA utilizaram artefatos nucleares numa guerra. Provaram centenas de milhares de mortes de imediato e ao longo do tempo, apenas com duas bombas!

O pavor inicial gerou concorrência. Acidentes nucleares demonstraram que o ser humano ainda não consegue lidar plenamente com a energia nuclear, mesmo quando utilizada com fins pacíficos.

E se algum dia um fanático ou um desequilibrado mental resolverem “apertar botões”?

Incineração instantânea, radiação prolongada, eclipse e inverno nuclear… Apocalipse nuclear!

Uma tal catástrofe também poderia ocorrer em função de erupções de vulcões, terremotos, maremotos ou impacto de asteroides, meteoros ou cometas com a Terra, mas seriam acontecimentos, em tese, alheios à interferência humana.

No caso de um conflito nuclear, toda a humanidade estará em risco!

Nesse sentido, Oppenheimer, Sakarov, Leprince-Ringuet, Hall e todos os cientistas que atuaram do desenvolvimento e disseminação de bombas nucleares tem, sim, parte da culpa por abrir essa “caixa de Pandora”. O mesmo vale para os que desenvolvem armas químicas, biológicas e de qualquer espécie.

Santos Dumont lamentou ver sua invenção ser utilizada como meio de destruição. Essa não era sua intenção. Isso também se aplica a Einstein e Fermi. Marie Curie talvez seja a mais inocente de todos.

Aviões unem pessoas, abreviam distâncias. Más intenções os transformaram em armas. A radioatividade pode matar, mas, em mãos bem intencionadas, podem curar! Uma faca serve para cortar alimentos, mas também serve para matar. Tudo depende do uso que se dá à ferramenta.

E por falar em alimentos, o que se gasta com a produção e aquisição de armamentos seguramente contribuiria para resolver uma série de problemas no mundo, inclusive saneamento, saúde, educação, habitação, e segurança pública e alimentar, de uma população que não para de crescer.

Nesse sentido, é preciso repensar até que ponto a ciência, em lugar de buscar a evolução da civilização, continuará servindo a propósitos de quem quer meios para dominá-la ou destruí-la, até um ponto em que não haverá mais espaço para arrependimento.

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