Cultura literatura Livros Margarete Hülsendeger Resenha

AS LUZES E SOMBRAS DA DEMOCRACIA

AS LUZES E SOMBRAS DA DEMOCRACIA

Os freios e contrapesos das democracias constitucionais ocidentais jamais garantiram estabilidade. Eles sempre exigiram certa tolerância pela cacofonia e pelo caos, assim como certa disposição em reagir às pessoas que criam cacofonia e caos.

Anne Applebaum

Por Margarete Hülsendeger

Anne Applebaum é uma renomada jornalista e historiadora norte-americana, com uma carreira marcada por uma série de livros aclamados. Em 2004, ganhou o Prêmio Pulitzer com a obra Gulag: uma história, no qual faz uma reconstrução histórica da origem e evolução dos campos de concentração soviéticos, colocando esta terrível realidade no centro da História do século XX. No entanto, desde seu primeiro livro, Entre o Oriente e o Ocidente (1996), e antes disso como jornalista, ela já havia se tornado uma das principais vozes na análise das ameaças à democracia e à liberdade individual.

Applebaum possui uma profunda compreensão dos eventos históricos e seu impacto nas sociedades contemporâneas. Esse entendimento lhe permite escrever sobre as alarmantes tendências antidemocráticas que ressurgiram no Ocidente. Nesse sentido, seu último livro, O crepúsculo da democracia[1], publicado no Brasil em 2021, é uma obra que vai além da mera análise política, pois mergulha nas profundezas da história para compreender os desafios enfrentados atualmente pela democracia.

Um dos eventos históricos fundamentais discutidos por Applebaum é o surgimento do autoritarismo no século XX, exemplificado pelo fascismo na Europa e pelo comunismo em outras partes do mundo. A autora conecta esses eventos com a ascensão de líderes autoritários contemporâneos, mostrando como padrões semelhantes podem ser observados em diferentes contextos históricos. Segundo ela, a onda autoritária, nacionalista e antidemocrática na Europa central surgiu não por causa de algum “fantasma do passado”, mas como “resultado de ações específicas de pessoas que não gostavam de suas democracias”.

Portanto, para entender o que vem acontecendo, Applebaum nos convida a rever alguns conceitos importantes. Um deles é o magnetismo do nacionalismo e da autocracia. Ela explora como essas ideologias simples e sedutoras encontram eco em uma parcela significativa da sociedade, muitas vezes explorando sentimentos de medo, ressentimento e exclusão para angariar apoio popular. Como ela explica, o autoritarismo atrai pessoas que não toleram a complexidade: “não há nada intrinsecamente ‘de esquerda’ ou de ‘de direita’ nesse instinto. Ele é antipluralista. Suspeita de pessoas com ideias diferentes. É alérgico a debates ferozes” e, portanto, trata-se de um “estado mental, não de um conjunto de ideias”.

Outro conceito que Applebaum aborda é a fragilidade das instituições democráticas. Ela examina como líderes autoritários minam gradualmente essas instituições ao enfraquecer a separação de poderes, sufocar a liberdade de imprensa e debilitar a independência do Judiciário. Argumenta que a democracia não é apenas um sistema político, mas um conjunto de normas e valores que precisam ser constantemente defendidos e nutridos. Caso isso não ocorra, corre-se o risco de cair (em alguns casos recair) em um sistema despótico que não respeita os direitos de seus cidadãos.

Applebaum também explora o papel das redes sociais e da mídia na disseminação do autoritarismo. Ela analisa como plataformas digitais podem ser usadas para propagar desinformação, polarizar o debate público e solapar a confiança nas instituições democráticas. Nesse sentido, ela cita como exemplo as campanhas do Brexit no qual trolls estiveram extremamente ativos, disseminando falsidades, porque sabem que a maior parte do público não lerá sites de checagem de fatos e, “se o fizer, não acreditará no que ler”. Ela chega a mencionar um site utilizado na Espanha como tendo o mesmo estilo e layout de um site pró-Bolsonaro, “como se ambos tivessem sido criados pelas mesmas pessoas ou, mais provavelmente, pela mesma equipe de especialistas em relações públicas”.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

A experiência pessoal de Applebaum enriquece sua abordagem. Como uma das primeiras jornalistas a alertar sobre as tendências antidemocráticas no Ocidente, ela traz uma perspectiva única sobre os desafios enfrentados pela democracia nos dias de hoje. Sua coragem em enfrentar regimes autoritários e suas consequências, bem como suas próprias experiências diante da ascensão do autoritarismo, acrescentam uma dimensão pessoal e emocional à sua obra. Como, além de jornalista, ela é historiadora, seu conhecimento abrangente dos eventos históricos, especialmente do século XX, permite-lhe contextualizar os desafios contemporâneos dentro de um quadro mais amplo, ao mostrar como padrões do passado continuam a moldar o presente.

Dessa forma, Anne Applebaum, em O crepúsculo da democracia, não apenas oferece uma análise crítica dos perigos do autoritarismo, como também compartilha sua visão única e perspicaz sobre o futuro da democracia. Pode-se dizer que sua obra é um chamado à ação para que todos nós nos engajemos na defesa da liberdade e da justiça, sabedores, segundo ela, de que “abrindo caminho através da escuridão, descubramos que juntos, podemos resistir a ela”.


[1] APPLEBAUM, Anna. O crepúsculo da democracia: como o autoritarismo seduz e as amizades são desfeitas em nome da política. Tradução Alessandra Bonrruquer. Rio de Janeiro: Record, 2021.

Deixe um comentário